Sistema prisional brasileiro aumenta a reincidência

Prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonham os nossos antepassados? Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que entrou. E o estigma da prisão? Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os. Deixa, aí sim, de haver alternativa, só o ex-condenado tem uma solução: incorporar-se ao crime organizado. Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinquentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de condenados.

Sem dúvida, a privação da liberdade é a consequência mais visível da pena de prisão. Contudo, outros sofrimentos, algumas vezes obscuros, infligem ao preso um sofrimento até maior. A falta de privacidade, privação de ar, de sol, de luz, de espaço em celas superlotadas, os castigos físicos (torturas), a falta de higiene, alimentação nem sempre saudável, doenças inimagináveis, violência e atentados sexuais cometidos ora pelo próprio companheiro de infortúnio, ora pelos próprios carcereiros ou agentes penitenciários, a humilhação imposta, inclusive aos familiares dos presos, o uso de drogas como meio de “fuga” e etc.

Ao chegar a uma das penitenciárias do Estado, geralmente de grande porte e superlotadas, o condenado perde, além da liberdade, o seu nome que é substituído por um número de matrícula, muitas vezes perde sua roupa e recebe um uniforme, quando não perdem todos os seus pertences pessoais para outros presos ou até mesmo para os guardas do presídio, enfim, perde o condenado à prisão toda a sua identidade, sua honra, sua moral…

É uma ingenuidade, uma ilusão acreditar que aquele que sobreviveu, porque muitos morrem na própria prisão, a tudo isso, estará “ressocializado” podendo ser “reintegrado” à sociedade. Aquele que cumpriu pena privativa de liberdade estará fadado a marginalidade, estará estigmatizado pelos anos que lhe resta de vida.

Quanto mais duradoura for a pena privativa de liberdade, maior serão suas contradições e mais distante estará o preso de uma adaptação à vida fora da prisão. Por mais incrível que possa parecer, aquele que ficou preso durante anos acaba se incorporando a “sociedade prisional”, isto porque dentro das prisões existem outros costumes, outra linguagem, outros “códigos”, outras “leis” passam a vigorar, as quais são impostas pelo perverso sistema penitenciário. Aquele que ousar afrontar as normas estabelecidas pelo sistema certamente será punido, muitas das vezes, com a pena capital.

Com o decorrer dos anos ocorre o fenômeno da “prisionização”, ou seja, à assimilação dos padrões vigorantes na penitenciária, estabelecidos, precipuamente, pelo internos mais endurecidos, mais persistentes e menos propenso a melhoras. Adaptar-se à cadeia, destarte, significa, em regra, adquirir as qualificações e atitudes do criminoso habitual. Na prisão, pois, o interno mais desenvolverá a tendência criminosa que trouxe de fora do que anulará ou suavizará.

Na prisão, ao contrário do que alguns insistem em afirmar, “os homens são despersonalizados e dessocializados”.

Referindo-se ao processo de prisionização Petry Veronese afirma que:

O aprisionamento, ao invés de possibilitar o retorno deste indivíduo, praticamente torna esse objetivo inviável, sobretudo se considerarmos que as instituições de custódia acabam por ser as efetivadoras do fenômeno da prisionização, ou seja, desencadeiam um processo de aculturação, o qual consiste na assimilação pelo detento dos valores e métodos criminais dos demais reclusos...

Na maioria das vezes, quando afirmamos que “o preso está apto para o convívio social” ou que “o preso está regenerado” estamos ocultando o que de fato ocorreu com aqueles que passaram alguns anos encarcerados. Na verdade o que ocorre é uma pseudo “regeneração”, pois aquele homem ou mulher que passou por uma prisão já não é mais aquele homem ou aquela mulher. O “regenerado”, o “reintegrado”, o “reeducado”, o “reabilitado” e o “apto” para o convívio social, foram na realidade “domesticados” pelo sistema penal.

Reportando-se aos “recursos para o bom adestramento” Foucault afirma que:

O poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. (…) A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício…

Para tentarmos entender o que ocorre no cárcere é necessário ouvir o que tem a dizer aqueles que tiveram o infortúnio de padecer por esta que, sem dúvida, é uma das mais terríveis experiências pela qual pode um ser humano passar em sua vida. Neste sentido, preciosas são as palavras de Dostoievski em sua obra autobiográfica “Recordação da Casa dos Mortos”, onde o escritor russo descreve o período de 4 anos em que esteve preso em um presídio na Sibéria, quando diz que:

Já disse que durante os meus anos de presídio jamais constatei entre os meus companheiros o menor remorso, o menor rebate de consciência; no seu foro íntimo, a maioria deles considerava que agiria bem. Isso é um fato. Evidentemente, a vaidade, os maus exemplos, as bravatas, o respeito humano, devem, nesse caso, ser levados em consideração. Mas, por outro lado, quem se pode gabar de haver sondado essas almas decaídas, de ter descoberto no seu mistério o que fica escondido ao universo inteiro? De qualquer forma, porém, no decorrer de tantos anos, eu deveria ter surpreendido em alguns daqueles corações um indício qualquer de sofrimento, de desespero. E, positivamente, nada descobri. É claro que não se devem fazer julgamentos de acordo com ideias preconcebidas e decerto a filosofia do crime é mais completa do que se imagina. O presídio, os trabalhos forçados, não melhoram o criminoso; apenas o castigam, e garantem a sociedade contra os atentados que ele ainda poderia cometer. O presídio, os trabalhos forçados, desenvolvem no criminoso apenas o ódio, a sede dos prazeres proibidos, e uma terrível indiferença espiritual. Por outro lado, estou convencido de que o famoso sistema celular consegue atingir apenas um resultado enganador aparente. Suga a seiva vital do indivíduo, enerva-lhe a alma, enfraquece-o, assusta-o, e depois nos apresenta como um modelo de regeneração, de arrependimento, o que é apenas uma múmia ressequida e meio louca.

Diante deste sistema penal perverso, degradante, desumano, torpe e cruel, soma-se a hipocrisia do Estado em ocultar os verdadeiros fins da pena, é necessário buscarmos alternativas que, embora longe de solucionar os problemas, possam, ao menos, amenizá-los. Mas, para isso, urge que admitamos o fracasso da pena de prisão e a falácia do atual sistema. É preciso reconhecer que este sistema tem produzido mais criminosos, além de se constituir, nunca é demais dizer, um verdadeiro incremento da reincidência.

Assim como hoje se reconhece as atrocidades das penas medievais, tais como: morte na roda, na guilhotina, no fogo, verdadeiro suplício do corpo e da alma, no futuro será constato a crueldade das penas privativas de liberdade que serão estudadas como parte de uma história sombria e degradante.


Fonte: Consultor Jurídico

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