Preso político e detento comum inverteram papéis na prisão após o golpe

 preso-politico.fw2.fwRIO — O golpe de 31 de março de 1964 modificou diversas vidas, entre elas, estão a de Januário José Pinto de Oliveira, que de preso político tornou-se preso comum, e André Borges, que já era preso comum no começo da ditadura e transformou-se em preso político.

No dia do golpe, Janu, como era conhecido tinha dezesseis anos, era morador da Tijuca e frequentava a Juventude Estudantil Católica (JEC). Em 1968, com o Ato Institucional nº5 e o endurecimento do regime, entraria na Ala Vermelha do PC do B e seria preso no ano seguinte. Na prisão, entrou em contato com outros detentos, alguns presos por crimes comuns. Mas foi na sua segunda prisão, em 1972, que conheceu William da Silva Lima, um dos que viriam a ser líderes da Falange Vermelha, futuro Comando Vermelho. A aproximação fez Janu começar a participar da organização, segundo ele próprio escreveu em relatos, por acreditar que o grupo seria uma forma de se conquistar uma revolução popular. Foi detido, novamente, em 1981, e desta vez, por causa da ligação com o grupo, não mais como preso político.

No mesmo ano de 1964, André Borges, tinha 25 anos e estava há seis na prisão da Frei Caneca. Foi preso por assalto a mão armada. No presídio, teve acesso aos livros comunistas que foram levados para as prateleiras da prisão desde a ditadura do Estado Novo em 1937. Foram com eles que compreendeu que sua luta deveria ser política. Quando os primeiros presos da ditadura chegaram, ele já estava convencido sobre a revolução. Dentro da cela, junto com os novos detentos, planejou e executou uma fuga junto com outros nove presidiários, sete políticos e dois comuns, como ele. Passou a atuar com o grupo que criara até ser preso, três meses depois, durante um roubo ao Banco Nacional.

As trajetórias, para a pesquisadora de História Cátia Faria, exemplificam a efervescência do movimento revolucionário e a repressão.

— São exemplos que mostram as transformações que ocorrem em vidas em regimes como o da ditadura militar. Por exemplo, a trajetória de Janu não pode ser entendida somente como um preso que deixa de ser político e passa a ser comum. É de uma complexidade ímpar. Ele se envolveu com a Falange Vermelha acreditando que aquele grupo poderia ser uma forma para se conquistar a revolução e ficou desiludido quando percebeu que não era o objetivo final — afirma Cátia.

Em relatos de Janu, que pretendia escrever um romance contando sua história, afirma que ficou “profundamente reflexivo” com sua prisão na década de 80 e com as escolhas que fez. Em uma das saídas do presídio que era semi-aberto, fugiu e não voltou. Em 1983, foi morto em um crime sem explicação que estaria relacionado a grupos de extermínio e, até hoje, não possui certidão de óbito.

De preso a gestor

Desconsiderando o breve intervalo de três meses após a fuga, André Borges passou 21 anos detido. Tinha bom relacionamento com os presos, carcereiros e com o diretor. Em pouco tempo, devido seu conhecimento, virou um instrutor dentro do presídio e fez curso de jornalismo lá dentro. Por seu prestígio, conseguiu que o prêmio que ganhou, devido um concurso de poesia, fosse usado para “investir em sua liberdade”, como pediu ao diretor. O dinheiro foi usado para a fuga do dia 26 de maio de 1969. Quando voltou ao presídio, André conta que enfrentou represálias.

— Os caras, mesmo eu tendo sido classificado desta vez como preso político, me colocaram na cela dos comuns porque acharam que os prisioneiros iam se virar contra mim já que as condições na prisão ficaram mais severas depois da fuga. O que esqueceram é que eu dei aula para a maioria deles e eles me respeitavam — conta.

Depois de mais dez anos preso, André, em meio a luta pela anistia, conseguiu sair da prisão e virou símbolo pelo perdão aos presos políticos. Passou a participar da fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e da campanha de Leonel Brizola para governador. Com a vitória e o prestígio que tinha dentro da agremiação, pode escolher o cargo que iria trabalhar e escolheu ser assessor da direção do Departamento de Sistema Penal (Desipe).

— Voltei para a prisão que fui presidiário como membro da direção. Os carcereiros ficaram revoltados, teve greve de fome, abaixo assinado… Fizeram de tudo para que eu saísse. Não foi revanchismo meu, achei realmente que era o local que poderia servir melhor. Até coloquei meu cargo a disposição mas o governador Brizola entendeu que não era a atitude correta — relembra André.

O ex-detento não perdeu o cargo mas, por segurança, acharam melhor que ele não trabalhasse na Frei Caneca.

— Acabei parando no prédio anexo ao Palácio Guanabara. Tentaram me tirar do cargo e acabei do lado do governador — brinca André que virou escritor com três livros publicados.

Fonte: O Globo

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