Acórdãos deveriam ter linearidade argumentativa

O sistema jurídico brasileiro, encontra-se há algum tempo profundamente imerso no movimento de convergência entre a civil law e common law, com a utilização cada vez mais corrente de decisões jurisprudenciais como fonte de aplicação do Direito.

Este movimento de transição foi fortalecido pela EC45/2004 que permitiu os julgamentos dos Recursos Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral (regulamentado pelos artigos 543A e B, CPC) e das técnicas de julgamento repetitivos absorvidas por reformas legais na legislação processual.

Estas modificações vêm promovendo paulatinamente um novo olhar sobre o modo de aplicação do Direito e impõem a necessidade de que tematizemos o modo como os tribunais vêm promovendo seus julgamentos.

O “velho” modo de julgamento promovido pelos ministros (e desembargadores) que, de modo unipessoal, com suas assessorias, e sem diálogo e contraditório pleno entre eles e com os advogados, proferem seus votos partindo de premissas próprias e construindo fundamentações completamente díspares, não atende a este novo momento que o Brasil passa a vivenciar.

Os acórdãos, na atualidade, deveriam possuir uma linearidade argumentativa para que realmente pudessem ser percebidos como verdadeiros padrões decisórios que gerariam estabilidade decisória, segurança jurídica, proteção da confiança e previsibilidade. De sua leitura deveríamos extrair um quadro de análise panorâmica da temática, a permitir que em casos futuros pudéssemos extrair uma “radiografia argumentativa” daquele momento decisório.

Extrair-se-ia, inclusive, se um dado argumento foi levado em consideração, pois caso contrário seria possível a superação do entendimento (overruling). Ou mesmo se verificar se o caso atual em julgamento é idêntico ao padrão ou se é diverso, comportando julgamento autônomo mediante a distinção (distinguishing).

No entanto, ao se acompanhar o modo como os tribunais brasileiros trabalham e proferem seus acórdãos percebemos que se compreende parcamente as bases de construção e aplicação destes padrões decisórias (precedentes), criando um quadro nebuloso de utilização da jurisprudência. Flutuações constantes de entendimento, criação subjetiva e individual de novas “perspectivas”, quebra da integridade (Dworkin) do Direito, são apenas alguns dos “vícios”.

Repetimos: aos tribunais deve ser atribuído um novo modo de trabalho e uma nova visão de seus papéis e forma de julgamento. Se o sistema jurídico entrou em transição (e convergência), o trabalho dos tribunais também dever ser modificado, por exemplo, a) com a criação de centros de assessoria técnico-jurídica (unificação das assessorias) a subsidiar a todos os julgadores de uma Câmara pressupostos jurídicos idênticos para suas decisões; b) respeito pleno do contraditório como garantia de influência, de modo a levar em consideração todos os argumentos suscitados para a formação de um padrão decisório, pelos juízes e pelas partes, entre outras medidas.

Ademais, não se pode olvidar um dos principais equívocos na análise da tendência de utilização dos precedentes no Brasil, qual seja, a credulidade exegeta (antes os Códigos, agora os julgados modelares) que o padrão formado (em repercussão geral ou em recurso repetitivo) representa o fechamento da discussão jurídica, quando se sabe que, no sistema do case law, o precedente é um principium argumentativo. A partir dele, de modo discursivo e profundo, verificar-se-á, inclusive com análise dos fatos, se o precedente deverá ou não ser repetido (aplicado).

Aqui, o “precedente” do STF e STJ é visto quase como um fechamento argumentativo que deveria ser aplicado de modo mecânico para as causas repetitivas. E estes importantes tribunais e seus ministros produzem comumente rupturas com seus próprios entendimentos; ferindo de morte um dos princípios do modelo precedencialista: a estabilidade.

É comum a utilização de enunciados de “súmulas” sem se analisar os julgados que a deram base; quando tal procedimento seria essencial para se vislumbrar se os casos que os embasaram (os enunciados) são idênticos ao atualmente em julgamento.

Ocorre que, no Brasil, a principal utilização desta chamada padronização decisória se presta ao dimensionamento da chamada litigiosidade repetitiva; demandas propostas por inúmeros cidadãos com pretensões isomórficas.

Sabe-se que após a CRFB/88 as litigiosidades se tornaram mais complexas e em número maior. E que a partir deste momento o processo constitucionalizado passou a ser utilizado como garantia não só para a fruição de direitos (prioritariamente) privados, mas, para o auferimento de direitos fundamentais, pelo déficit de cumprimento dos papéis dos outros “Poderes” (Executivo/ Legislativo), entre outros fatores.

Dentro deste contexto, a litigiosidade repetitiva passou a aumentar as taxas de congestionamento do Poder Judiciário brasileiro e as propostas de técnicas processuais padronizadoras, e do uso de “precedentes” como fonte, ganhou muitíssima força.

No entanto, como se vem advertindo há algum tempo, necessitamos tematizar o uso destas técnicas, especialmente quando se vislumbra que no atual CPC projetado, cujo relatório foi apresentado (pelos ilustres deputados Sérgio Barradas Carneiro, Fábio Trad e Paulo Teixeira em 19 de setembro de 2012) na Câmara dos Deputados, se aposta com muita veemência na utilização destes padrões decisórios para dimensionar os litígios repetitivos, inclusive viabilizando a criação de “precedentes” pelos tribunais de segundo grau.

O Projeto na Câmara foi deveras aprimorado nesta parte. Mas a contribuição legislativa somente representa uma parte da questão. É na aplicação adequada dos precedentes (e não mecânica) que conseguiremos resultados eficientes e legítimos.

Dentro desta constatação, devemos criticar a proposta ufanista do uso dos precedentes. Não buscando uma crítica pobre e fundamentalista ao seu uso. Mas procurando tematizar e produzir uma teoria científica democrática e abrangente do uso dos precedentes no Brasil.

Conclama-se, assim, todos os pensadores e aplicadores brasileiros a esta tarefa essencial de promoção da melhoria e da adequação normativa do uso do Direito Jurisprudencial entre nós.

Fonte: Consultor Jurídico

 

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