A Sexta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) trancou ação penal contra sindicalista acusado de denunciação caluniosa (artigo 339 do Código Penal). Ele foi denunciado pelo crime após formular reclamação disciplinar ao Conselho Nacional do MP (Ministério Público) contra um promotor de Justiça de Caraguatatuba (SP). A defesa pedia o trancamento da ação por falta de justa causa.
Segundo a denúncia oferecida pelo MP, o sindicalista, na condição de presidente do Sindicato dos Servidores do Município de Caraguatatuba (Sindserv-Caraguá), teria atribuído ao promotor o crime de prevaricação, em razão de ter permanecido inerte a respeito de eventual fraude em concurso público municipal.
Ao analisar o caso, a Turma entendeu que, para configurar crime de denunciação caluniosa, é indispensável que a conduta imputada à vítima também seja definida como crime, bem como que a imputação seja objetiva e subjetivamente falsa. Ou seja, é preciso que a pessoa acusada seja inocente e que o acusador tenha ciência inequívoca dessa inocência, o que não ficou demonstrado na denúncia formulada pelo MP estadual.
Direito de petição
No habeas corpus impetrado no STJ contra decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), a defesa alegou atipicidade da conduta, pois o sindicalista, ao formular a reclamação, apenas teria exercido o direito constitucional de petição, não havendo o dolo específico necessário à caracterização do crime previsto no artigo 339 do Código Penal.
Sustentou ainda que, na reclamação apresentada pelo sindicalista apenas foram narrados fatos relacionados à realização do concurso público, sem a atribuição de infração disciplinar ou ilícito penal ao promotor. Por isso, o caso não se enquadraria no tipo penal de denunciação caluniosa.
De acordo com a defesa, a ciência de que a pessoa acusada é inocente – elementar do tipo penal de denunciação caluniosa – não está presente no caso, situação que reforça a atipicidade da conduta atribuída ao sindicalista.
Por fim, argumentou que, a reclamação apresentada, em nenhum momento, atribuiu ao promotor de Justiça as condutas previstas no tipo penal de prevaricação, de modo que nem sequer foi instaurada investigação, circunstâncias que afastam por completo a tipicidade do crime de denunciação caluniosa.
Narração enérgica
Ao analisar o caso, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, afirmou que, nem a leitura da reclamação apresentada pelo sindicalista nem os termos da conclusão externada pelo Conselho Nacional do Ministério Público permitem vislumbrar a ocorrência do crime de denunciação caluniosa. O relator ressaltou que, ao contrário do afirmado pelo MP na denúncia, em nenhum momento foi atribuída à suposta vítima o crime de prevaricação.
“É narrada, sim, de forma enérgica, a omissão, em tese, do promotor de Justiça em relação às supostas fraudes ocorridas no concurso público, em razão de ter sido levado ao conhecimento do membro oficiante da comarca fatos graves e, na visão do paciente, este ter-se quedado inerte em relação à propositura de medida de busca e apreensão do caderno de questões e respectivo gabarito das provas realizadas, bem como ao ajuizamento da competente ação civil pública”.
Dever funcional
Segundo Sebastião Reis Júnior, o próprio Conselho Nacional do MP, quando deu parecer sobre a reclamação disciplinar, afirmou ter sido atribuída ao membro do MP a prática de “violação do dever funcional”, conduta não tipificada em lei como crime. “Esta Corte Superior já decidiu que, para a configuração do crime de denunciação caluniosa, é indispensável que a conduta imputada à vítima também seja definida como crime, sob pena de atipicidade de conduta”, disse o ministro.
Além disso, à época do oferecimento da reclamação disciplinar na Corregedoria Nacional do Ministério Público, ainda não havia sido ajuizada ação civil pública relativa ao caso – situação que reforça não ter o sindicalista certeza da inocência do membro do MP a respeito dos fatos informados na reclamação.
O relator concluiu que a denúncia oferecida pelo MP contra o sindicalista não demonstrou suficientemente o dolo de imputar falsamente conduta tipificada como crime àquele que sabe ser inocente.
Fonte: Última Instância