Mais de 125 anos após a abolição da escravatura, o Brasil ainda combate uma versão moderna do tipo de trabalho forçado. Mais de 2 mil pessoas são libertadas todos os anos no país em condições análogas à de escravos.
Se, por um lado, não existem mais correntes ou senzalas, por outro, são inúmeras as semelhanças relatadas por trabalhadores de condições que remetem a uma escravidão contemporânea.
Ameaças de morte, castigos físicos, dívidas que impedem o livre exercício do ir e vir, alojamentos sem rede de esgoto ou iluminação, sem armários ou camas, jornadas que ultrapassam 12 horas por dia, sem alimentação ou água potável, falta de equipamentos de proteção, promessas não cumpridas.
O Código Penal define uma pena de reclusão de dois a oito anos e multa para quem “reduz alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
Libertações
A cada dia, mais de 5 pessoas são libertadas, em média, no país. Dados do Ministério do Trabalho tabulados pelo G1 mostram que, nos últimos cinco anos, Minas Gerais lidera a lista de estados com resgates (2.000), seguido por Pará (1.808), Goiás (1.315), São Paulo (916) e Tocantins (913).
Os resgates ocorrem após denúncias feitas pelos trabalhadores. A Comissão Pastoral da Terra e os sindicatos e cooperativas são as principais entidades procuradas, já que há um receio do envolvimento de autoridades locais com os proprietários. Durante as blitzes, caso seja configurado o trabalho análogo à escravidão pelos auditores fiscais, as pessoas são libertadas e os empregadores são obrigados a pagar todos os direitos trabalhistas devidos.
Aliciamento
Uma das maiores dificuldades no país é combater o aliciamento dos trabalhadores. Um programa do Ministério do Trabalho batizado de Marco Zero foi criado para ajudar na intermediação dos trabalhadores e acabar com a figura do “gato”.
Hoje, no entanto, ainda é comum a atuação desses contratadores ilegais, que agem em áreas de vulnerabilidade e acabam perpetuando a prática do trabalho escravo contemporâneo.
Trabalho urbano x rural
Apesar de estar normalmente associado ao campo, o trabalho escravo tem sido cada vez mais flagrado nas grandes cidades. Em 2013, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de libertações no meio urbano foi maior que o do meio rural pela primeira vez na história. Uma das explicações para a mudança é o boom de grandes obras pelo país.
PEC do Trabalho Escravo
Os grupos móveis
A votação da PEC pode ocorrer em um ano simbólico. Em 2014, completam-se 10 anos da chacina de Unaí. Quatro funcionários do Ministério do Trabalho – três auditores fiscais e um motorista – foram mortos em uma emboscada quando investigavam uma denúncia de trabalho escravo em fazendas da região. Os acusados de serem os mandantes do crime, fazendeiros no local, não foram julgados até hoje. Dos nove indiciados, apenas três foram condenados. O caso fez com que a segurança dos grupos móveis de fiscalização, criados em 1995, fosse colocada em xeque. Compostos de auditores fiscais e procuradores do Trabalho, eles dificilmente saem hoje sem o apoio de policiais federais ou rodoviários federais.
A ‘lista suja’
Outro importante instrumento de combate ao trabalho escravo também completa 10 anos: a chamada “lista suja”. O cadastro de empregadores flagrados submetendo trabalhadores a condições análogas à de escravos é considerado uma das principais ferramentas para coibir a prática hoje no país. Quando um nome é incluído nele, instituições suspendem financiamentos e o acesso a crédito. Empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo também aplicam bloqueios e restrições comerciais.
O Ministério do Trabalho e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência são os órgãos responsáveis pela lista, que é atualizada semestralmente. Antes de figurar na relação, os empregadores têm o direito de se defender administrativamente em primeira e segunda instâncias. As exclusões ocorrem se, após dois anos, não houver reincidência e for efetuado o pagamento de todos os autos de infração. Muitas empresas, no entanto, conseguem ser retiradas da lista entrando com liminares na Justiça.
Fonte: G1