Secretária Nacional de Segurança defende mudança na Constituição para combater a violência urbana

Regina-Miki

RIO — A Constituição que, em 1988, entregou aos estados a gestão das polícias e a responsabilidade da segurança pública, é hoje o principal obstáculo por trás das dificuldades do governo federal de atingir resultados mais efetivos no combate à criminalidade. A avaliação é de Regina Miki, titular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), que defende mudanças na Constituição para acabar com o jogo de empurra entre União e os estados que adia soluções para um dos problemas que mais preocupam os brasileiros: a violência urbana. Para a secretária, só a integração efetiva das polícias estaduais com as forças federais poderá reduzir os índices de criminalidade no país, que seguem crescendo a despeito dos avanços sociais e econômicos dos últimos anos. Em conversa com O GLOBO, Regina admite que os investimentos do governo federal estão longe do ideal, mas relata que a maioria dos estados não cumpre o mínimo de suas obrigações constitucionais.

— Da forma que está a Constituição hoje, o papel do governo federal é implementar ações e fazer diagnóstico. Temos que ajudar no que os estados precisam, mas não podemos suprir aquilo que é a obrigação primária dos estados, que muitos não estão cumprindo — diz Regina. — Ao menos uma mudança constitucional para garantir a integração seria necessária.

A constatação da secretária é corroborada por vários especialistas em segurança pública, que defendem defendem um novo pacto federativo para redistribuir atribuições entre municípios, estados e União. No mês passado, um documento elaborado por uma rede de pesquisadores de todo o país com propostas para os candidatos à Presidente propôs alterações na Constituição como o fim da subordinação das polícias militares ao Exército, prevista no artigo 144, ou a regulamentação do artigo 129, que trata do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, para coibir a violência policial. Mas a proposta que mais se aproxima das dificuldades descritas por Regina é a inserção da segurança pública no artigo 23 da Constituição Federal, que estabelece os temas de competência comum entre os três entes federativos. Para a secretária, a segurança precisa estabelecer com entre União, estados e municípios uma relação parecida ao que existe nas áreas de saúde e educação.

Segundo um estudo das Nações Unidas, de 2013, o Brasil é hoje o 12º país mais violento do mundo, à frente apenas de países como Venezuela, Honduras, Colômbia e África do Sul. Segundo o último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios no Brasil chegou a 25,8 por 100 mil habitantes em 2012, um crescimento de quase 7% em relação a 2008. Nesse período, a expectativa era ter reduzido à metade esse índice. Pelo menos era o que estava previsto no lançamento do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) em 2007, no governo Lula, quando Regina já estava na Senasp. Mas logo ela percebeu que não é possível traçar uma meta linear para todo o país se o governo federal não pode atuar na ponta. A autonomia constitucional que os estados têm para gerir suas polícias e sua política de segurança pública deixa pouco espaço para a ação da União, diz Regina.

— Quando se diz que a União deixa para os estados muitas responsabilidades na segurança, realmente é porque não temos como fazê-las na ponta, de acordo com a forma como a Constituição está colocada. Eu não posso fazer concurso público para colocar policiais nas ruas. Isso é tarefa dos estados, mas, hoje, nenhum estado brasileiro tem seu efetivo completo. Nenhum.

Segundo a secretária, as prerrogativas constitucionais fazem com que governadores e gestores das polícias resistam à cooperação com o governo federal temendo interferências em suas corporações. Os estados só batem na porta do governo federal na hora da crise ou para buscar recursos para fazer investimentos. Atualmente, o governo federal contribui com menos de 15% de tudo o que é investido em segurança no país. O restante fica nas costas dos estados. No entanto, Regina chama a atenção que entre 60% a 70% do que os estados aplicam na área vão para o pagamento de folha de pagamentos. Outra parte é gasta em custeio. Sobra para o governo federal o financiamento de equipamentos, viaturas e novas instalações.

— Os estados têm dificuldades de investir e nós também. O orçamento não é milagre, tem limites. Mas o que o governo federal gasta é investimento mesmo — diz a secretária. — Não é incomum estados virem à Senasp pedir para a gente arcar com diárias de servidores deles, o que é impedido pela lei. Tem estado que não tem sequer colete à prova de balas para suas tropas e vem aqui pedir emprestado da Força Nacional para vestir os policiais no esquema de segurança do carnaval. O ministro da Justiça tem sido muito claro em dizer que a Senasp não é um balcão. Queremos ser parceiros na política.

Foi para tentar mudar essa relação que o governo trocou a ênfase do Pronasci para o do programa Brasil Seguro, lançado no governo Dilma mesmo sem os resultados do programa anterior. Segundo Regina, o novo programa estabelece uma matriz de responsabilidades com cada estado para investir no que é necessário para cada realidade. Desde 2011, o programa já consumiu R$ 14,4 bilhões, segundo a Senasp. O projeto piloto foi o estado de Alagoas, o mais violento do país, que já conseguiu reduzir a taxa de homicídios de 68 para 61,8 por 100 mil habitantes, ainda uma realidade gravíssima para padrões internacionais, que consideram violência epidêmica uma taxa maior do que 10. Ainda assim, Regina diz que a relação com os estados nem sempre é boa.

— Há ainda o problema político-partidário. Muitos dos que pregam hoje que o governo federal deveria fazer mais impediram por vezes o nosso trabalho por vaidade política, corporativa. É um prolema ainda sério, que nos impede de desenvolver políticas integradas — afirma a secretária, que não quer dar exemplos de obstáculos políticos nos estados.

A dificuldade de o governo federal desenhar uma política nacional de segurança começa na falta de informações. Só em 2011 uma lei obrigou os estados a repassar dados para o governo federal, que só deve terminar em 2015 o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e Sobre Drogas (Sinesp). Tanto tempo porque vários governos estaduais não têm sequer sinal de internet para que suas delegacias e secretarias compartilhem seus dados em sistemas informatizados. O estado de Roraima, por exemplo, foi adotado como piloto pelo governo federal, que investiu R$ 60 milhões para tirar a segurança do estado do isolamento.

Para Regina, a redução da criminalidade não virá só com polícia, mas da articulação com programas sociais que possam dar à população acesso a serviços públicos. E cita como exemplo as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio.

— A metodologia das UPPs é perfeita. Ninguém pode ser contra um modelo que consegue fazer a retomada de território do Estado pelo Estado. Essa reconquista é feita pela polícia, mas a permanência do Estado não pode ser feita só por ela. O próprio secretário (de Segurança Pública do Rio) Joé Mariano Beltrame já falou sobre isso. Vários dos problemas que aconteceram em UPPs decorrem da falta de ações sociais, que não acompanharam da mesma forma a ocupação dessas favelas.

Apesar de insistir na relação entre criminalidade e inclusão social, Regina admite que o governo ainda não sabe explicar uma aparente contradição em seu próprio discurso. Se a presidente Dilma vai em busca da reeleição baseada no discurso de forte avanço das políticas sociais dos governos do PT, resumidas no emprego, renda, habitação e maior acesso à educação superior e técnica, por que isso não se refletiu na redução da violência no país?

— Essa é uma interrogação que a gente vem buscando. Temos feito pesquisas para entender isso. Existe um fator que precisa ser considerado: a cultura da violência. Precisamos reforçar o elo entre as políticas de segurança, justiça criminal e sistema prisional para mudar isso.


Fonte: O Globo

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