Justiça do Rio só julgou 30% dos processos antigos de homicídios

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RIO – Os pais da engenheira de produção Patrícia Amieiro Franco queriam pelo menos um corpo para enterrar. Em junho de 2008, a filha, então com 24 anos, desapareceu na Barra da Tijuca quando voltava para casa depois de uma festa na Zona Sul. O carro dela foi encontrado dentro do canal de Marapendi, e quatro policiais militares acusados do crime aguardam julgamento.

A mãe de Fabrício Rangel Kengen enterrou o corpo do filho, mas queria entender o motivo de tanta violência na morte dele, aos 26 anos. Estudante de administração, Fabrício e um amigo entraram num destacamento de policiamento ostensivo em Nova Iguaçu, em fevereiro de 2006, para relatar uma queixa. Foram espancados e mortos. Dois policiais militares são processados pelo crime. Foram expulsos da PM, mas ainda não foram julgados.

Uma fila de processos assim aguarda julgamento em todo o Brasil. Estão incluídos na meta estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para zerar as ações sobre crimes contra a vida quase sempre homicídios dolosos, iniciadas até 31 de dezembro de 2009. Mas os números preliminares apresentados a representantes dos tribunais de Justiça numa reunião realizada no dia 12 de novembro no CNJ, em Brasília, mostram que a meta está longe de ser cumprida. Em todo o país, das 59,6 mil ações sobre crimes contra a vida iniciadas até 31 de dezembro de 2009 e não concluídas até julho de 2013, só 17,1 mil (28,8%) foram de fato julgadas.

No Tribunal de Justiça do Rio, de 1.597 processos nessa situação, só 480 foram julgados – 30,1% de cumprimento da meta. Entre os tribunais de grande porte, o desempenho do Rio ficou abaixo das cortes de São Paulo (77,2% dos processos julgados), Paraná (66,2%), Rio Grande do Sul (32,7%) e Minas Gerais (30,7%).

A meta proposta pelo CNJ para este ano era que o país conseguisse zerar esses processos, ou, numa perspectiva mais realista, julgar 80% deles. Pelos números atualizados até sexta-feira, só dois tribunais de pequeno porte zeraram o estoque de ações: o do Acre julgou seus 30 processos antigos e o do Amapá liquidou seus 14. Os tribunais de Distrito Federal, São Paulo e Maranhão chegaram perto dos 80%. Seis tribunais ficaram abaixo da média nacional, que já foi péssima: Ceará, Espírito Santo, Amazonas, Mato Grosso, Pará e Bahia.

Na reunião em Brasília, segundo o CNJ, os representantes dos tribunais relataram obstáculos como falta de juízes e servidores, dificuldade para localização de réus e testemunhas, brechas legais que emperram a tramitação e um número tão alto de processos atrasados, que a meta se tornou só um número, sem que haja perspectiva de alcançá-lo este ano. O TJ de Pernambuco, por exemplo, acumulava 7,7 mil processos atrasados. Mesmo tendo sido o que mais julgou (2,3 mil), só cumpriu 29,7% da meta. Também não faltaram queixas sobre inquéritos malconduzidos ou atraso no trabalho do Ministério Público e da Defensoria Pública.

– O sistema não está funcionando como deveria – resume o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, responsável pelo acompanhamento das metas processuais previstas na Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp).

Calmon diz que já foi um avanço ter estatísticas concretas para trabalhar e destaca a realização de mutirões em vários estados, mas admite que, em termos de efetividade da meta, não vê grande  melhora. O CNJ vai encaminhar as demandas aos tribunais dos estados e aos demais órgãos envolvidos, para que sejam tomadas providências. Para Calmon, o atraso no julgamento de processos de homicídios reforça a sensação de impunidade.

Ativistas de direitos humanos destacam que o número do CNJ se refere aos casos que de fato viram processos, mas que muitos homicídios não saem da fase da investigação policial.

– A estimativa é que apenas de 5% a 8% dos homicídios sejam levados à Justiça. Julgar um crime tanto tempo depois de ele ter ocorrido é mais difícil. Tudo atrasa. O Brasil tem sido criticado nos organismos internacionais por causa do índice de homicídios impunes – afirma o pesquisador da Anistia Internacional Alexandre Ciconello.

A advogada Natália Damazio, da ONG Justiça Global, reforça a preocupação com homicídios cometidos por policiais. São comuns casos em que a família recebe até indenização do Estado – a responsabilidade pela morte, portanto, é reconhecida -, mas, na esfera criminal, o processo se arrasta. No caso de Fabrício Kengen, os dois acusados foram expulsos da PM, mas ainda não foram julgados criminalmente.

– Tinha sido marcado um julgamento, mas foi adiado e agora só em 2015 – revolta-se a professora Marizete Siqueira Rangel, mãe de Fabrício.

A engenheira Patrícia Amieiro Franco teve sua morte presumida declarada pela Justiça em 2011, o que permitiu à família resolver questões na esfera civil, como pensão. Mas a ausência de um corpo atrasou muito o processo. Uma investigação da Divisão de Homicídios (DH) indicou que policiais militares teriam pedido ajuda a milicianos de Jacarepaguá para dar sumiço ao corpo, que teria sido queimado num “micro-ondas”.

– A gente espera o julgamento para poder ter paz. É muito tempo – diz Antônio Celso de Franco, pai de Patrícia.

Ele e a mulher, Tânia, guardam pertences e muitas, muitas fotos da filha. Enquanto esperam a Justiça, lembram-se da caçula, que gostava de praia e de flores, cuidando do jardim que fizeram no lugar onde o carro da jovem foi encontrado.

O TJ do Rio informou, em nota enviada por sua assessoria, que o cumprimento da meta do CNJ não depende somente da Justiça, pois em algumas comarcas, principalmente no interior, há problemas como falta de promotores e defensores públicos. A nota destaca que a maioria dos processos da meta tem réus soltos e que, por determinação legal , os juízes criminais devem priorizar aqueles em que o réu está preso.

A nota afirma também que, diante do aumento dos casos distribuídos para as varas criminais com competência de júri, designou um juiz extra para atuar nos quatro tribunais do Júri da capital e que a medida contribuirá para que a meta do CNJ seja alcançada. O TJ destacou que, na semana Nacional do Tribunal do Júri realizada este ano, cinco varas criminais do estado ganharam o selo distintivo concedido pelo CNJ às unidades que realizaram pelo menos quatro júris no período.

Desde maio deste ano, o I Tribunal do Júri tem realizado sessões todos os dias. Um juiz extra divide o trabalho com o magistrado Fábio Uchôa Montenegro, titular há 12 anos do posto. Enquanto Uchôa faz audiências numa sala, o colega conduz os julgamentos no plenário. Na última quarta-feira, Uchôa fez audiências de um crime de 2005, cujo processo só em 2009 chegou à Justiça, e de outro homicídio de julho deste ano.

– Não basta o CNJ estipular metas inexequíveis, porque, para que haja a realização do júri, é necessária uma série de outros fatores que às vezes não estão funcionando e são estranhos ao Poder Judiciário, como cumprimento dos ofícios e das decisões determinando a realização de confronto balístico, envio de exame de corpo de delito, diligência pericial, o cumprimento de ofícios às operadoras de telefonia e outros órgãos. É uma série de circunstâncias que às vezes impede a realização do julgamento, e isso não está diretamente ligado ao Poder Judiciário, embora seja ele que pague o preço político da não realização desses julgamentos – afirma Uchôa, que deixa em cima de sua mesa o selo de agilidade concedido pelo CNJ.

O juiz defende que a videoconferência seja usada com mais frequência, para facilitar depoimentos, e diz que as brechas no Código de Processo Penal abrem espaço para recursos em demasia. Segundo ele, desde que, por segurança, o TJ do Rio extinguiu os tribunais do júri nos subúrbios, como Campo Grande e Bangu, e trouxe os processos para o Fórum do Centro, o trabalho aumentou e os cartórios se queixam da sobrecarga. Uchôa diz que a demora nos processos ocorre em todos os países civilizados:

– Nada se faz em países desenvolvidos a toque de caixa. É um discurso hipócrita, que não tem nada a ver com a realidade.

Está na fila do I Tribunal do Júri o caso de Patrícia Amieiro Franco. A defesa entrou com novo recurso, e o julgamento não foi marcado.

Fonte: O Globo

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