Crise afasta classe média da casa própria, e Brasil levará 50 anos para reduzir déficit habitacional

A crise está dificultando o sonho da casa própria. Com aumento no custo de vida, crédito escasso e problemas no programa federal de moradia popular, o Minha Casa Minha Vida, brasileiros ricos, pobres e de classe média estão mais distantes de ter um teto. Mantido o atual cenário, estima-se que o país levará 50 anos para reduzir o déficit habitacional a um patamar “administrável”. E mesmo quem já tem casa enfrenta dificuldades. No Rio, imóveis destinados a programas populares estão em áreas sem infraestrutura. Em Recife, as palafitas que haviam sido erradicadas de Brasília Teimosa voltaram a aparecer. E, em Balneário Camboriú, terra dos prédios mais altos do país, os arranha-céus estão roubando o sol da praia.

RIO, BRASÍLIA, SALVADOR, RECIFE E FLORIANÓPOLIS – A crise econômica deixou mais longe o sonho de milhões de brasileiros: ficou mais difícil conquistar a casa própria. O aumento do custo de vida e o crédito escasso e caro — que dificultam o acesso da classe média —, além de problemas no programa federal de moradia popular, o Minha Casa Minha Vida (MCMV), dão uma nova dimensão ao desafio da habitação. A piora do cenário atinge quem procura um imóvel para comprar, para alugar e até os que se beneficiam de subsídios públicos. E, segundo especialistas, o risco é que a crise resulte em aumento do déficit habitacional do país, estimado, hoje, em 5,43 milhões de domicílios. Mantidas as condições atuais, levantamento feito pela coordenadora de Projetos da Construção da FGV, Ana Maria Castelo, mostra que o país levará até 50 anos para reduzir este número a um patamar “administrável”, na faixa de um milhão de casas. Isso apesar de todas as melhorias obtidas com a expansão do programa de moradia popular nos últimos anos.

— Levaremos ao menos 50 anos para chegar a um milhão de moradias. O maior desafio está nas regiões metropolitanas — diz Ana Maria.

AO MENOS 1,2 MILHÃO DE NOVAS CASAS AO ANO

O cálculo do déficit habitacional abrange famílias que vivem em condições precárias, as que dividem a mesma casa por falta de opção, as que sofrem com o ônus excessivo do aluguel — quando o pagamento é igual ou superior a 30% da renda de famílias que ganham até três salários mínimos (R$ 2.364) — e as famílias que vivem em imóvel alugado com mais de três pessoas em cada cômodo. Na prática, o indicador tem peso expressivo da moradia popular, mas pode incluir a classe média nas famílias que dividem a casa.

Claudia Magalhães Eloy, pesquisadora do Laboratório de Habitação da FAU/USP, explica que a crise afeta o déficit habitacional de diversas formas:

— A queda na renda e o aumento nos preços de locação pressionam o ônus excessivo de aluguel. Com renda menor, esse gasto compromete mais o orçamento. Já quem perde o emprego pode voltar a morar com a família e aumentar os números de coabitação. Ao mesmo tempo, os governos perdem arrecadação, e isso compromete serviços essenciais, como saúde e escolas, que seriam levados a programas de moradia popular.

Mesmo sem considerar os efeitos da crise atual, estudos preliminares feitos por Claudia e outros dois pesquisadores apontam que já houve aumento no déficit em 2013, último dado disponível, em termos absolutos, puxado principalmente pelo peso maior do aluguel no orçamento, diante da alta dos preços.

Um estudo encomendado pelo Ministério das Cidades mostra que, somente para que o indicador não piore, o país precisa construir 1,2 milhão de casas a cada ano, numa estimativa que abrange todas as classes e tipos de residência. Desde que foi criado, em 2009, o Minha Casa Minha Vida já contratou a construção de 4 milhões de unidades, o que representa média de 666 mil a cada ano. Segundo estimativa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), foram construídas 1,62 milhão de unidades no país no ano passado, incluindo todas as categorias de imóveis residenciais.

O Ministério das Cidades destaca que a terceira fase do Minha Casa Minha Vida será lançada em breve com a meta de contratar mais três milhões de unidades habitacionais. “Com isso, o objetivo de contratar sete milhões de casas, até 2018, será cumprido e cerca de 28 milhões de pessoas serão beneficiadas com a casa própria”, informou a pasta.

Com o agravamento da crise, porém, já são frequentes os relatos entre prefeituras e construtoras de atrasos no repasse de recursos para obras do programa de habitação popular. O governo atribui as dificuldades ao aperto nas contas.

— Nesse ambiente de ajuste fiscal, tivemos que repactuar com o setor da construção os prazos para pagamentos de obras que já estão prestes a serem concluídas e diminuir o ritmo das que estão mais no início — afirma a secretária de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães.

Para especialistas como Sérgio Magalhães, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, a solução para moradia popular deve incluir alternativas.

— Um país como o Brasil não pode ter uma solução única como o Minha Casa Minha Vida. O país desistiu de investir em urbanização de favelas e em recuperar habitações — avalia.

MAIOR DESPESA COM MORADIA DESDE 2006

Para a classe média, o cenário causa apreensão. O próprio custo de manter uma moradia está subindo: o peso dos gastos de aluguel, condomínio, taxa de água e esgoto e luz no orçamento subiu 12% em um ano, passando de 9,84% em julho de 2014 para 11,07% em julho deste ano. É a maior fatia no orçamento desde junho de 2006.

O valor do aluguel foi decisivo para a família do economista Pedro Alex Alves de Macedo. No ano passado, ele procurava um imóvel de até R$ 3 mil por mês, mas aceitou pagar R$ 3.500 por não encontrar o que procurava. Com a queda recente, ele vai se mudar para um mais barato, de R$ 3 mil:

— O aluguel é nosso principal gasto. Vamos poder fazer uma reserva financeira.

O alívio com a recente queda nos preços dos imóveis — após longa escalada que suscitou discussões sobre o risco de uma bolha imobiliária no país — foi acompanhado de aperto nas condições de crédito, com financiamento mais restrito e caro. Até bancos públicos, como a Caixa, elevaram juros e passaram a exigir entradas maiores. Segundo dados do Banco Central (BC), em julho, as famílias brasileiras pegaram R$ 8,9 bilhões em financiamentos imobiliários, uma queda de 26,3% em relação a igual mês do ano anterior. De janeiro a julho, o crédito somou R$ 69,9 bilhões, com queda de 6,9% na comparação com o mesmo período de 2014. Especialistas só preveem uma retomada vigorosa em 2017. Hoje, o brasileiro paga, em média, 10,7% ao ano de juros imobiliários: o maior patamar desde agosto de 2011. A piora do cenário foi brusca. Em 2013, as famílias conseguiam taxa média de 7,63% ao ano, segundo levantamento do Banco Central.

Para quem vive de aluguel, o efeito é similar. Em quatro anos, o peso dessa despesa no orçamento subiu 40%. Com base no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a inflação oficial), de julho de 2011 a julho deste ano, a fatia do orçamento destinada ao aluguel passou de 2,88% para 4,05%, o que mostra que o preço subiu mais que a inflação no período. O percentual é baixo porque o cálculo engloba tanto as famílias que pagam quanto as que não pagam aluguel. De modo geral, analistas recomendam que o gasto não ultrapasse um terço do orçamento familiar, mas segundo Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi-Rio, o sindicato da habitação, durante a fase de escalada de preços, esse patamar era facilmente superado pelos inquilinos. Nos últimos meses, porém, os valores começaram a cair, num reflexo da crise.

— O custo da moradia vai continuar pesando mais no orçamento das famílias, com exceção do aluguel. Com a crise e a procura menor, o proprietário tende a dar descontos — afirma o professor de Economia da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha.

Com casa, mas sem transporte e infraestrutura

RIO, BRASÍLIA E SALVADOR – “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”. A remoção de favelas já foi marchinha de carnaval nos anos 1950. Mas continua atual. O Minha Casa Minha Vida (MCMV), criado em 2009, deu acesso à moradia, mas, muitas vezes, repetiu a fórmula de construção de conjuntos habitacionais em locais distantes e sem infraestrutura, alertam especialistas. Como os imóveis destinados à população mais pobre são construídos em terrenos doados pelas prefeituras, o destino, em geral, são os limites do município, áreas muitas vezes sem uma rede de transporte adequada.

Para a secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães, o desenho é o melhor, a solução possível, dado que é preciso celeridade para socorrer as famílias em locais de risco. Ela argumenta que houve avanços, mas admite que é preciso exigir mais dos municípios em questão de urbanismo, geração de emprego, saúde e educação. E prevê que esses problemas podem ser diluídos com o desenvolvimento das cidades no futuro:

— São questões que, daqui a dois anos, podem ser solucionadas.

A coordenadora de projetos de construção do Ibre/FGV, Ana Maria Castelo, pondera que o programa tem tido papel importante para aumentar o acesso à moradia, mas reconhece que “sozinho não dá conta de tudo”:

— A grande questão é que o custo do terreno é muito alto nos centros urbanos, justamente onde mais falta moradia. O Minha Casa Minha Vida tem sido fundamental para aumentar a habitação, mas realmente precisa ser aperfeiçoado. As parcerias com estados e municípios são muito importantes principalmente para pensar a oferta de infraestrutura. Junto com moradia, é preciso ter infraestrutura de saneamento e energia, mas também de escolas, hospitais e transportes.

SOLUÇÃO DE HOJE É PROBLEMA DE AMANHÃ

Já o professor da PUC-Rio Rafael Soares Gonçalves, historiador e advogado especialista em legislação urbanística, diz que o governo federal tem se concentrado em áreas muito distantes do centro das cidades, com pouca ou nenhuma infraestrutura.

— É verdade que o Minha Casa Minha Vida traz uma escala pouco antes vista na produção habitacional, mas acho que a solução de hoje é o problema de amanhã. Os moradores têm acesso à moradia, mas não à cidade — observa.

O Rio já viveu isso com a remoção de favelas décadas atrás, quando surgiriam os conjuntos habitacionais. Enéas Cerqueira da Silva passou 40 de seus 45 anos na Cidade de Deus. E lembra do isolamento nos primeiros anos:

— Muita gente penou, quem tinha criação de porco no morro deixou pra trás. A gente ficou um tempão comendo banana, jamelão e chá de capim-limão, que dava por todo o lado.

A distância e a falta de infraestrutura são as principais justificativas de quem opta por ficar em favelas ou áreas de risco. Em Salvador, capital com o maior número de favelas do país, cresce a resistência a programas habitacionais. Na antiga área do porto, em frente à Praça Castro Alves, empreendimentos sofisticados dividem a paisagem com casarões coloniais invadidos por sem-teto. E parte não quer sair dali para projetos do MCMV.

SEM ESCOLA PERTO E COM SAUDADE DO ALUGUEL

Quando foi contemplada com um imóvel do MCMV, Naiara Santos só pensava que finalmente deixaria de pagar os R$ 300 de aluguel e teria uma casa própria. Abandonou Salvador e mudou-se com o marido e a filha de dois anos para um condomínio do programa na vizinha Lauro de Freitas. Hoje, tem saudade dos tempos do aluguel. Afinal, tinha escola perto, o hospital era bom e era mais rápido chegar ao trabalho. Desde a mudança, não conseguiu arrumar emprego. Vive de bicos. Atualmente, faz sacolas de papelão artesanais:

— A gente é discriminado na hora de contratar quando fala onde mora. O patrão já sabe que vai ter de pagar duas passagens para ir e mais duas para voltar.

UMA HORA DE BICICLETA PARA O TRABALHO

“Aqui, no início não era ruim, era horrível”, diz Fernando Luzia Pereira, o Nando, de 70 anos, removido da favela Macedo Sobrinho, do Humaitá, em 1969. Faltava tudo na Cidade de Deus: escola, posto de saúde, transporte e emprego. “Tinha tanto mosquito aqui que a gente passava querosene nas crianças”, lembra. A única linha de ônibus era o 731:

— Trabalhava na rua Mem de Sá e ia de bicicleta. Era uma hora de viagem.<ep,1>Outro drama: o apartamento de um quarto era inviável. Ele, que chegou no local com um filho, teve mais quatro. A solução foi expandir, tijolo a tijolo. Hoje, sua casa tem três quartos luxuosos, ar-condicionado em todos os cômodos, móveis novos e revestimento de primeira linha.

Em Florianópolis, casa popular em frente ao mar

por Lucianne Carneiro

FLORIANÓPOLIS – A imagem de palafitas construídas à beira d’água remete à população ribeirinha da Amazônia. Mas é na beira-mar da área continental de Florianópolis que uma comunidade se organizou, a partir de ranchos de pesca nos anos 1960, e ainda hoje sobrevive sem esgoto ou abastecimento de água. A realidade das cem famílias da Ponta do Leal, no entanto, está perto de mudar com a chegada do Minha Casa Minha Vida. O município, com o terceiro maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no país, era a única capital fora do programa. A cidade terá dois empreendimentos do programa de habitação popular. Além dos imóveis na Ponta do Leal, serão construídas 78 unidades no bairro de Jardim Atlântico, que devem ser entregues até o fim do ano, seis anos após o lançamento do Minha Casa Minha Vida.

Se a demora em levar moradias populares para a capital de Santa Catarina está longe de ser motivo de comemoração, os projetos que agora se tornam realidade têm um perfil diferente do que se tornou quase um padrão no programa de habitação: localização em áreas distantes, sem infraestrutura ou acesso de transporte. As duas construções estão em bairros da área continental da cidade. Apesar de não ficarem na ilha, que é a área mais valorizada, têm infraestrutura já constituída e transporte público.

A localização não foi fácil. Foram anos de tentativas de remoção, e houve até abaixo-assinado de moradores do bairro para levá-los a outros municípios. Mesmo com o Minha Casa Minha Vida, a ideia inicial era levar as famílias a outra área. Uma mobilização da comunidade, com apoio do Ministério Público Federal, porém, garantiu que conseguissem um terreno da União e da prefeitura ao lado das palafitas, onde está em construção um conjunto com quatro blocos e 88 apartamentos.

Os imóveis têm vista para o mar, a ilha, e para a Ponte Hercílio Luz, símbolo da cidade, além de varanda com churrasqueira. Aos 54 anos, João Geraldo Carvalho, o mais antigo morador, mora ali há 40 anos.

— Queriam colocar a gente longe, mas a gente mora em Florianópolis e queria ficar aqui. Metade das famílias vive da pesca, é importante ficar na Ponta do Leal — explica o pescador aposentado.

 Seu Geraldo vive a expectativa de ter casa com banheiro e cozinha, além de receber correspondência pelos Correios:

— A gente vai ser reconhecido como gente, né? Vai ter comprovante de residência… Daqui, a gente vê as casas e a sociedade lá no fundo.

‘LAVAR PRATOS AO NAR’

Um “bom banheiro” é o principal atrativo do novo apartamento para a faxineira Maria de Fatima Correia, de 60 anos, que vive com a família numa casa sobre palafitas com pedaços de madeira.

— Vamos ter um bom banheiro. Aqui, fizemos um buraco na areia e por ali vai tudo. No calor, o cheiro é muito forte. E uma vizinha colocou uma saída de esgoto embaixo da minha casa — conta Maria de Fatima, que sonha em comprar armários para a cozinha e camas novas.

Na casa da vizinha Maria Teresa dos Santos de Oliveira, os dejetos vão direto para a areia. Seu sonho é lavar a louça e a roupa sem preocupação:

— Mais de uma vez tive de lavar os pratos no mar porque não tinha água. Geralmente, só consigo lavar roupa de noite.

Secretário de Habitação de Florianópolis, Domingos Zancanaro admite a demora no lançamento do programa no município, mas diz que o preço elevado dos terrenos foi um empecilho:

— O novo plano diretor da cidade organizou melhor as áreas de interesse social, e temos três novos projetos para o Minha Casa Minha Vida em fase final.

Arquiteto e urbanista de Florianópolis, Edson Cattoni diz que as iniciativas são um bom exemplo de solução de moradia popular com acesso à infraestrutura. Ele defende acompanhamento constante para evitar que os imóveis sejam vendidos.

Tentações não faltam. Seu Geraldo conta que, antes mesmo de os apartamentos ficarem prontos, de vez em quando aparece um interessado em comprar:

— Após tantos anos de luta, queremos nosso canto, não pegar para vender.

Brasília teimosa volta a ter palafitas

RECIFE – Marco do governo petista, Brasília Teimosa ganhou este sobrenome pela insistência de pescadores pobres em permanecer na região, área nobre de Recife. O local foi o primeiro destino visitado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva logo que assumiu o Planalto — e fez questão que todos os ministros o acompanhassem. Foi alvo de um grande programa de reurbanização, mas as palafitas, que já tinham sido erradicadas, voltaram teimosamente a dominar a paisagem.

Nunca passou pela cabeça da cozinheira Valéria Maria de Andrade morar numa casa de retalhos de madeira. Muito menos invadir área pública. Há cinco anos, gastava os R$ 500 que ganhava como cozinheira com o aluguel. O marido, pescador, botava comida na mesa. Até que um dia, descobriu que estava grávida e, para completar, passou a cuidar dos três filhos do primeiro casamento do companheiro, abandonados pela mãe. Com tantas bocas para alimentar, o casal resolveu construir uma palafita, uma das 150 que já foram erguidas no bairro nos últimos anos:

— Nunca tinha morado em palafita, mas decidimos por causa dos meninos. E invadimos. Se a gente pagar aluguel, vou dar o quê para os meus filhos comerem?

O marido de Valéria trocou a rede de pesca pela carteira assinada como porteiro em Boa Viagem. Depois do expediente, varava madrugadas para construir a palafita de 40 metros quadrados e inacreditáveis dois andares só com martelo, serrote e pregos. Um gato na conta de luz garante o lazer: assistir DVDs piratas numa TV de 42 polegadas.

 A louça, a casa, as crianças são lavadas com o auxílio de uma cuia. Ela sente falta de um chuveiro, coisa que sempre teve. O vaso sanitário foi colocado sobre um buraco na madeira e o esgoto vai direto para o mar. Com lágrimas, diz que queria um lugar digno para morar:

— Não quero muito, quero só dignidade para os meus filhos. A gente que mora em palafita é muito discriminado. Brasília é teimosa porque as pessoas invadiram e lutaram. Aqui você não passa fome, vai ali e pesca sururu. Não queria sair, mas construir uma casa de chão aqui.

NOS FUNDOS DO SHOPPING CENTER

Valéria já ouviu falar no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que não existe no bairro — que tem 1.800 pessoas sem moradia e até quatro famílias morando sob o mesmo teto. Mas ela não se vê no programa. Acha que há apenas as modalidades de empréstimo e desconhece que há subsídios maiores para os mais pobres:

— O MCMV virou para os ricos. Só vejo gente de carro nesses edifícios.

A porteira de motel Flávia Tiburcio pagou R$ 2 mil pela habitação de apenas 25 metros quadrados em que vive com o marido e os dois filhos. Num único cômodo, há fogão, mantimentos, a cama do casal e dos filhos. Tudo sob um teto de zinco que torna a casa praticamente uma estufa sob o sol nordestino. Por isso, o lugar predileto da família é a varanda. É lá que ela espera o marido voltar do mar. Apesar de ter trabalho, sente-se frustrada por não poder pagar uma casa de verdade:

— Graças a Deus trabalho com carteira assinada, mas por causa disso cortaram o meu Bolsa Família e não tenho condições de pagar o aluguel.

Outra área de Brasília Teimosa, banhada pelo mar, agora é alvo da especulação imobiliária. Um carro de som pede que as pessoas não vendam suas casas ou o lugar será dominado por prédios de luxo. A resistência tem seu preço: terrenos valem até R$ 500 mil. O aluguel ficou mais caro, às vezes, impossível de pagar.

Palafitas proliferam-se por Recife até no canal aos fundos do shopping de luxo Riomar. Lá mora Leidiane da Silva, de 20 anos. Ela vive no Beco da Zoada, um amontoado de palafitas, com o marido e a filha de 2 anos num cubículo de dois cômodos: quarto e cozinha. A água é estocada num barril. O lugar não tem janela, nem banheiro. A solução é “fazer as necessidades na voadora”: uma sacola plástica de supermercado que é arremessada para bem longe.

— Ter um banheiro é o meu sonho. Tenho fé de que a gente vai conseguir. Um dia a gente vai sair daqui. O que me amedronta é uma dessas madeiras podres cair e eu perder minha filha na maré.

Para o alto e avante

BALNEÁRIO CAMBORIÚ – O horizonte tomado por espigões, alguns com mais de 40 andares, lembra São Paulo, mas é em Balneário Camboriú, cidade à beira-mar com apenas 124 mil pessoas — população equivalente à de Araruama, na Região dos Lagos — que se constrói o futuro maior edifício exclusivamente residencial do país, segundo dados da ONG Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH). O arranha-céu que promete deixar os outros prédios à sombra tem 280 metros de altura. A concorrência é acirrada: ali foram construídos os três maiores empreendimentos residenciais do Brasil, com 160 metros — patamar do prédio comercial do shopping Rio Sul, o mais alto do Rio.

Quem chega a Balneário Camboriú, em Santa Catarina, vê que a praia não é mais a protagonista. Os arranha-céus se multiplicam pela cidade e roubam o sol da faixa de areia: a partir de 14h, a sombra começa a se espalhar sobre a Avenida Atlântica — via de mesmo nome da do bairro de Copacabana, com quase sete quilômetros de extensão —, onde estão localizados os maiores edifícios.

Mas a preferência por prédios descomunais, para os quais o céu não é mais o limite — como o One Tower, que tem 280m, segundo a ONG CTBUH, mas que a construtora FG Empreendimentos só informa que tem 70 pavimentos — está longe de ser unanimidade. Balneário Camboriú ostenta o quarto maior índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as cidades brasileiras — atrás apenas de São Caetano do Sul (SP), Águas de São Pedro (SP) e Florianópolis (SC) — e há mais de dois anos discute um novo plano diretor para definir o que pode e o que não pode ser feito. Durante as negociações, chegou-se a suspender a autorização para novos prédios, mas essa restrição acabou suspensa há alguns meses.

— Os próprios edifícios fazem sombra no maior potencial turístico da cidade, a praia — afirma o professor de Arquitetura da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Evandro Gaspar.

DISPUTA PELO PRÉDIO MAIS ALTO

Para acabar com a sombra e criar vagas de estacionamento, existe até um projeto de alargamento da faixa de areia da praia em cem metros — com aterro do mar — que aguarda a aprovação dos órgãos de licenciamento ambiental. Após um movimento de verticalização iniciado nos anos 1980, o movimento ganhou força nos anos 2000. E restam apenas três casas na Avenida Atlântica.

As duas maiores construtoras da cidade — Embraed e FG Empreendimentos — travam uma disputa velada para definir quem constrói o edifício mais alto. O “embate” agita o mercado local da construção civil, alicerce fundamental da economia de Balneário Camboriú.

— Temos terrenos grandes para construções e pretendemos continuar a crescer, atentos à demanda. Camboriú se destaca pela beleza da arquitetura. E há prédios mais antigos, com arquitetura obsoleta, que podem ser repaginados — diz o diretor comercial da FG Empreendimentos, Altevir Baron, que avalia haver estrutura para projetos de grande porte na cidade.

Nesse mercado, a disputa é metro a metro. É da FG o Millenium Palace, prédio com 164 metros de altura e 44 pavimentos, pouco mais alto que as duas torres do Villa Serena, da Embraed, com 160 metros e 46 pavimentos. Em construção, o Yachthouse Residence Club tinha previsão inicial de 227 metros. Numa segunda versão, ganhou mais musculatura e galgou até os 254 metros e 74 andares, segundo a construtora Pasqualotto.

Diretor financeiro do Grupo Embraed, Marcos José da Silva afirma que não faria sentido restringir a construção em Balneário Camboriú e compara a situação com a de metrópoles como Nova York:

— Se não gostassem de prédios altos, não receberíamos tantas pessoas na alta temporada em Balneário Camboriú. Existem pessoas que gostam de natureza intocável, outros gostam de gente.

Muitos proprietários só ocupam os imóveis no verão, enquanto investidores apostam na temporada. A população da cidade pula de pouco mais de cem mil para um milhão nessa época do ano. No Sea’s Palace, com 40 andares, apenas oito ou nove apartamentos são ocupados fora do verão, segundo uma moradora. As garagens vazias dos prédios comprovam a tendência.

CARRO DE LUXO PARA QUEM VENDE MAIS

Para o presidente do Núcleo do Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento Santa Catarina IAB-Litoral Norte Camboriú, Juliano Marini de Oliveira, é preciso pensar formas de equilibrar a construção civil com a preservação da qualidade de vida da cidade.

— Balneário Camboriú tem que tomar cuidado para não virar Guarujá. É preciso criar infraestrutura para evitar problemas, como de trânsito, falta d’água e energia — alerta Oliveira.

Secretário de Planejamento e Gestão Orçamentária do município, Fábio Flôr diz que a proposta da prefeitura é reduzir o número de unidades nos terrenos e ampliar a área de recuo:

— É preciso reduzir o adensamento e planejar a cidade. Não pode é prédio de cem andares em terreno de mil metros.

Flôr diz que a cidade tem ampliado sua infraestrutura. Um dos exemplos é a criação da ciclovia na Avenida Atlântica, que eliminou o estacionamento no local. Problemas no abastecimento de água, por exemplo, são restritos à época da alta temporada, diz ele. O debate sobre o plano diretor, porém, ainda está em aberto.

Para além da altura dos prédios, a cidade vive fase de apreensão diante da crise no mercado imobiliário. As construtoras negam queda de preços, mas corretores avaliam que o cenário mudou. Henrique Mariano, da Webbimóveis, tenta vender há dez meses uma unidade num dos espigões, no qual a construtora ainda tem apartamentos à venda. Sérgio Pandolfo, da imobiliária Infinity, diz que sempre houve oferta grande de apartamentos, mas que o estoque cresceu.

Ele não vê bolha imobiliária, mas admite que alguns imóveis são vendidos a preço menor que o de tabela, principalmente após devoluções. As construtoras reforçaram o relacionamento com corretores. Além do percentual de 5%, premiam quem vende mais, tal qual um programa de milhagem. Cada R$ 100 mil em vendas equivalem a um ponto. Com 30 pontos, o prêmio é um carro econômico. Quem consegue chegar aos 120 mil pontos, leva um Jaguar.

Teleférico para praia e vaga própria de Marina

por Gabriela Valente / Lucianne Carneiro

SALVADOR E BALNEÁRIO CAMBORIÚ – Muito além da varanda gourmet e da instalação pronta para aparelho split, as construtoras adotam definição cada vez mais abrangente para o luxo no mercado de empreendimentos de alto padrão. Num mercado marcado por modismos, a última tendência inclui de prédios com teleférico que levam o morador direto ao píer no mar, em Salvador, a imóveis que oferecem uma piscina por apartamento, salão de festas para 150 comensais e uma vaga própria de marina para chamar de sua, capaz de abrigar barco ou lancha. O preço do aparato suntuoso da vez ultrapassa os R$ 13 milhões, em Santa Catarina.

Se, no passado, novidade era morar num subúrbio afastado e exclusivo, como Alphaville, em Salvador, recentemente, os compradores de alta renda descobriram a nobreza das áreas centrais. O CEP mais cobiçado de Salvador é o do bairro Corredor da Vitória, com imóveis na faixa de R$ 4 milhões. É lá, à beira da Baía de Todos os Santos, que o teleférico virou artigo essencial. A maioria dos edifícios tem um para levar moradores ao píer privativo, onde desfrutam do dia de sol ou de passeios de barco. Os prédios são encrustados nos rochedos, de frente para o mar, mas sem faixa de areia. É impossível entrar na região sem ser convidado.

O publicitário Marlon Martinez, de 28 anos, mostrou sua casa no bairro mais chique de Salvador. Interrompeu o banho de sol com amigas e abriu as portas do flat de dois andares, comprado há dois anos. Diz que só vai se mudar depois de casar e ter filhos e que se acostumou com o jeitinho da vizinhança:

— Aqui, não vejo ninguém. Só na academia, mas como todo mundo tem seu personal trainer, ninguém fala com ninguém.

ATÉ CINCO VAGAS NA GARAGEM

Há quem prefira endereço mais tradicional, com o glamour de outrora. Em frente ao Farol da Barra, cartão postal da cidade, o edifício Oceania passa por reforma. Grace Frasier desfruta das vantagens do local e se exercita com personal trainer na praia. Outro dia viu uma baleia jubarte nadar na porta de casa.

— Morar aqui é privilégio — resume.

Em Balneário Camboriú, o novo básico do luxo é contar com apartamentos de três ou quatro suítes e até cinco vagas de garagem e atrativos como pista de corrida, piscina, salão de jogos e cinema. No Villa Serena, da Embraed, um lustre de 450 quilos é o destaque do hall de entrada com pé-direito de 16 metros. No Millenium, da FG Empreendimentos, os apartamentos têm piscina privativa. Quem opta pelo apê no térreo pode se dividir em duas piscinas. O Marina Beach Towers, da Mendes Sibara, tem vaga de marina para a maior parte dos apartamentos.

Proprietária de uma loja de sapatos em Itajaí, Edilene Köhler, mais conhecida pelos amigos como Lola, mora num apartamento de 185 metros quadrados com o cachorrinho Bascow no 17º andar de um prédio de frente para a praia na Barra Sul.

— Aqui, sinto a brisa do mar e não fico sufocada. Morando em Balneário Camboriú, tem sempre alguém visitando e é bom ter espaço em casa — conta a empresária, que elogia o estúdio de Pilates do prédio.

A vista para o mar e o espaço ajudaram, mas Lola diz que a vista da janela em frente à pia da cozinha foi decisiva para a compra do imóvel. Enquanto lava a louça, ela aprecia o Rio Camboriú

Mais casa sem gente do que gente sem casa

por Gabriela Valente / Lucianne Carneiro

SALVADOR E RIO – O Brasil vive um paradoxo: há mais imóvel vazio do que gente em busca de moradia. O déficit habitacional estimado é de cerca de 5,43 milhões de residências. Enquanto isso, há 6,097 milhões de unidades vagas, segundo dados do Censo. Diferentes razões explicam a situação. Há imóveis de governos das três esferas — União, estados e municípios —, unidades em disputa na Justiça, com dívidas de impostos, cujos proprietários já morreram sem deixar herdeiros, entre outros. Ao contrário de outros países, aqui não há grandes punições para quem deixa caros metros quadrados sem ninguém. Isso pressiona a necessidade por residências e faz com que muitas delas, algumas até em ruínas, sejam invadidas. O governo já estuda incluir a reforma de imóveis vazios na terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida.

Não que unir “casa sem gente e gente sem casa” seja simples. Especialistas lembram que é preciso mapear onde estão esses domicílios vazios e onde está o déficit habitacional. Mas defendem serem necessárias políticas para aproveitar as áreas já ocupadas das cidades, que dispõem de infraestrutura, serviços e transportes.

Sérgio Magalhães, presidente nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil, afirma que o governo investe o pouco que tem na expansão das cidades e abandona as áreas consolidadas:

— Cidades espalhadas são mais caras que as compactas, como Paris. Você demanda mais água, energia, serviços, segurança e transporte.

IMÓVEIS MAPEADOS NO RIO

Levantamento feito pela Secretaria Municipal de Habitação do Rio este ano apontou a existência de 357 imóveis que poderiam ser usados para habitação apenas no Centro da cidade. O cálculo é de 5.100 unidades habitacionais, segundo o secretário Carlos Portinho. Outros 61 imóveis já foram desapropriados, com capacidade de abrigar 573 apartamentos. Já a Secretaria Estadual de Habitação identificou 186 imóveis que podem ser transformados em moradia. E busca recursos no Banco Mundial para a execução do primeiro projeto.

— Os imóveis já foram mapeados, e temos um plano que prevê essas unidades habitacionais a curto, médio e longo prazo — afirma Portinho.

Reportagem publicada no penúltimo domingo no GLOBO mostrou um pacote de sete projetos de lei enviados pelo prefeito Eduardo Paes à Câmara Municipal com incentivos fiscais e mudanças nas regras urbanísticas do Rio para ocupar áreas degradadas ou em processo de revitalização. Entre eles, há um projeto que concede isenção de ITBI e de IPTU (por cinco anos) e de ISS (Imposto de Serviços) para o aproveitamento de imóveis abandonados. Está prevista também a votação de uma proposta que trata da cobrança de IPTU progressivo de imóveis vazios e subutilizados.

Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, Haroldo Pinheiro, a solução para reduzir o total de imóveis vazios não é simples nem rápida. Ele defende o que a cidade de São Paulo tem feito: aumentar a taxação para lugares fechados ou que não cumprem a função social da propriedade.

— Não dá simplesmente para colocar todas as pessoas que precisam de casas nos imóveis vazios, tem de haver instrumentos para estimular o uso, como o IPTU progressivo —argumenta.

É ao lado da Câmara, na Rua Alcindo Guanabara, em plena Cinelândia, que está um dos mais emblemáticos casos de ocupação de imóveis vazios na cidade. Há quase oito anos, um grupo de 42 famílias invadiu um prédio vazio do INSS na ocupação Manoel Congo. Entre idas e vindas, conseguiu a transferência ao governo do estado e a transformação do imóvel comercial em moradia popular. Os recursos para as obras demoraram a chegar, segundo Maria de Lourdes Lopes, moradora do local e uma das coordenadoras do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM).

No ano passado foi aprovado o financiamento pelo Minha Casa Minha Vida Entidades, que financia moradias populares por meio de associações e cooperativas. Desde 2009, o programa financiou 57.870 unidades habitacionais, das quais 20.800 foram concluídas. É uma parcela bem pequena das quatro milhões de unidades já contratadas pelo Minha Casa Minha Vida.

— Hoje, temos muita casa sem gente e muita gente sem casa no Brasil. Ocupar os imóveis vazios significa aproveitar uma estrutura que já existe, o Estado não precisa investir para levar água e luz para áreas distantes — conta ela.

Ali, os moradores não terão a propriedade do imóvel, mas a concessão de direito de uso por 90 anos, prorrogáveis por mais 90 anos, segundo Maria de Lourdes, conhecida como Lurdinha.

ALUGUEL SOCIAL EM IMÓVEIS VAZIOS

Em Salvador, casarões tombados são ocupados por diversas famílias. Mesmo sem condições, viram cortiços bem localizados no centro histórico. Revoltado com a situação, um grupo de artistas e intelectuais baianos decidiu grafitar a frase “Aqui poderia morar gente” nos imóveis. Sônia de Assis divide um deles com outras cinco famílias e diz que o coração só aperta quando chove. O prédio ao lado de onde ela mora com os quatro filhos está condenado.

— Quando chove, nem durmo.

Ela sabe que, mesmo que o teto continue em pé, pode perdê-lo: vários casarões já foram vendidos. Como os donos não podem derrubar, esperam que o tempo faça isso. Uma das propostas dos arquitetos da cidade era usar essas casas, devidamente desapropriadas, para moradia social com conservação das fachadas tombadas como patrimônio histórico da Humanidade.

Para a secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães, o ideal seria a aprovação de IPTU progressivo para imóveis vazios, mas os efeitos disso só seriam sentidos em seis ou sete anos. Ela antecipou ao GLOBO que a terceira fase do programa deverá estimular a reforma de imóveis vazios, como os casarões de Salvador. No entanto, ela já adianta que essas unidades deverão ser usadas para aluguel social. Como o preço dessas moradias é muito alto, elas não devem ser entregues para as famílias.

— Eu defendo que seja só para aluguel social, porque a chance de você fixar uma família com renda de R$ 1 mil num imóvel de R$ 250 mil é mínima. Ela venderia o imóvel — argumenta a secretária.

País tem 2,7 milhões de casas compartilhadas

FLORIANÓPOLIS – Numa casa na comunidade do Morro do Horácio, em Florianópolis, duas famílias dividem o mesmo teto. Rodrigo Lopes e Joice Luana da Silva moram com os filhos Michael, de 8 anos, e Jackson, de 12 anos, de um lado. Separadas apenas por uma divisória de madeira, vivem Rosane Carneiro Capistrano, irmã de Joice, e sua companheira Daiana Pereira. A necessidade de reduzir os custos de moradia uniu as duas famílias, há quase cinco anos. Arranjos como esse, chamados de famílias conviventes, correspondem a 2,7 milhões de domicílios do total de 65 milhões existentes no país — ou 4,3% do total, segundo dados da Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE.

A fatia já foi bem maior. Em 2004, era de 7,4%. Em quase metade (49,5%) dos lares, os motivos financeiros explicavam a convivência. E é a renda que pode ter contribuído para esse recuo, segundo a pesquisadora do Núcleo de Estudos da População Elza Berquó, da Unicamp, Maria Coleta Albino de Oliveira:

— Nos últimos anos, houve aumento do poder aquisitivo do salário mínimo, o que significou alta da renda média. Com mais renda, as famílias tendem a ter mais condições de sustentar seus próprios domicílios.

Outro fator capaz de ajudar nesse sentido é a expansão da fatia de mulheres com filhos pequenos que participam do mercado de trabalho. Com isso, passam a ter um ganho que antes apenas os maridos tinham. O movimento contribui para o aumento da renda da família, o que facilita a manutenção dos custos de uma casa.

As dificuldades para comprar ou alugar uma moradia própria e até manter os gastos de uma casa colaboram para a coabitação de duas ou mais famílias em um domicílio. Além da questão da renda, no entanto, outros motivos podem contribuir para esse movimento. Famílias com filhos pequenos podem contar com a ajuda dos avós para acompanhar o dia a dia das crianças, enquanto um integrante mais velho da família pode ser cuidado com mais facilidade se dividir o mesmo teto com os demais. Na pesquisa do IBGE, os motivos financeiros são a principal razão para a convivência em quase metade dos domicílios (49,5%), mas a vontade própria vem logo depois, com 41,8%.

No cálculo do déficit habitacional — ou seja, de quantos domicílios ainda faltam no país para atender a toda sua população —, são contabilizadas as famílias que gostariam de deixar esses lares com mais de um núcleo familiar. Assim, as famílias de Rodrigo e Joice e Rosane e Daiana, de Florianópolis, engrossam os números de falta de moradia. No local onde vivem, há projeto para construir um empreendimento do programa Minha Casa Minha Vida, mas os moradores ainda não sabem se serão incluídos.

— Queremos muito viver com saneamento básico, mas nosso maior temor é só conseguir um apartamento para todo mundo. Somos duas famílias diferentes e queremos ter nossas casas independentes — conta Daiana.

‘Parte das favelas pode ser integrada às cidades’

BRASÍLIA – Crítica do Minha Casa Minha Vida (MCMV), a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik prevê que o problema habitacional no Brasil ficará ainda mais grave, porque o governo pasteurizou a solução: construção de casas para a população mais pobre, geralmente, em terrenos afastados, sem infraestrutura urbana e de transporte. A professora da USP e ex-relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada ainda critica o fato de o padrão ser sempre o mesmo: residência com dois quartos.

Há formas de acabar com o déficit habitacional?

Nem uso a palavra déficit. O pressuposto é que há escassez. O que temos são necessidades habitacionais. A pergunta ideal: seria possível atender a todas as necessidades habitacionais dos brasileiros? Sim, mas não imediatamente. Seria necessária uma diversidade de estratégias.

O número de imóveis vazios é maior que o déficit?

Essa conta não dá para fazer na matemática. Uma parte dos imóveis é de ruínas ou é mal localizada. Minha questão em relação ao déficit é que uma parte das nossas necessidades habitacionais não é de construir casas novas. Uma parte das favelas do país tem condição de ser organizada e integrada às cidades.

A senhora defende IPTU progressivo para imóvel vazio?

Esse é um dos instrumentos. E quando eles não são usados, há bloqueio do acesso de muita gente a uma localização adequada. É muito importante que existam medidas para combater essa retenção de imóveis. Para o investidor, o fato de esse imóvel se manter vazio por alguns anos não tem muita importância, mas para cidades é muito ruim.

 Fonte: O Globo
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