Candidatos terão o desafio de conquistar um eleitorado mais exigente

2014070115697RIO – As manifestações de junho de 2013 mostraram um brasileiro insatisfeito. Os avanços que deram uma chance nova de ascensão social a milhares de pessoas e abriram as portas do consumo são conquistas valorizadas, mas o eleitor quer mais. Daí o anseio de mudança captado pelas pesquisas que ainda não se refletiu bem nas intenções de voto. Com a largada da campanha eleitoral, os candidatos terão de convencer brasileiros cada vez mais exigentes de que são capazes de vencer o desafio das ruas: entregar serviços públicos de qualidade.

Nos últimos 20 anos, o tamanho da economia brasileira medido pelo Produto Interno Bruto (PIB) praticamente dobrou, posicionando o país entres as dez maiores potências econômicas do mundo. A taxa de desemprego, que chegou perto de 12% em 2002, agora se mantém abaixo do patamar de 6%. A valorização do salário-mínimo já conta quase 180% em duas décadas. Tudo isso reduziu as desigualdades e ampliou o conforto das famílias. Mas a realidade do cidadão quando pisa fora de casa é bem diferente.

Não foi à toa que os protestos do último ano começaram na insatisfação com o transporte público. O cotidiano de milhares de pessoas que desperdiçam horas no trânsito das grandes cidades do país é uma evidência diária das deficiências de serviços essenciais. Logo as passeatas trataram de esclarecer que a revolta não era apenas pelo reajuste de R$ 0,20. Muitas outras demandas surgiram. As inscrições de cartazes que pediam escola e hospital “padrão Fifa”, numa referência às exigências que o governo cumpriu na construção dos estádios para a Copa do Mundo com financiamento público, eram um recado claro: não bastam mais equipamentos públicos. Eles precisam ser úteis e funcionar bem.

Por isso, a cobertura das eleições do GLOBO este ano vai privilegiar essa perspectiva. Reportagens vão investigar o que impede o aprimoramento de serviços essenciais, como mobilidade, saúde e educação – objetos dessa primeira – e examinarão que inovações os candidatos propõem para melhorar a vida das pessoas de forma mais abrangente. Na disputa presidencial, a presidente Dilma Rousseff (PT) vai defender como pode aprimorar as ações de seu governo. Desafiantes como Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) precisarão demonstrar como podem fazer melhor.

CARGA TRIBUTÁRIA É ALTA NO BRASIL

Um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) localiza o Brasil entre os 30 países de maior carga tributária no mundo. É o último da lista na relação entre impostos e desenvolvimento social. Para uma sociedade que entrega ao governo 36% da riqueza que gera, é crescente a sensação de que muito pouco é recebido de volta em serviços públicos.

– O brasileiro sempre foi relapso em relação à aplicação dos recursos dos impostos, até porque não percebe o tributo embutido no consumo. Mas a conscientização aumenta e também a impaciência. As pessoas não querem mais esperar pelo que sabem que têm direito – diz João Eloi Olenike, presidente executivo do IBPT.

Para o economista Claudio Frischtak, ex-Banco Mundial, há no Brasil uma dificuldade crônica de planejamento e execução no setor público que impede governantes de cumprir expectativas que eles mesmos geram. Na maioria dos casos, não falta dinheiro. O problema é gestão.

– Há um mal-estar, que não está concentrado apenas nas classes média e alta. Existia uma expectativa de que, após a conquista de bens individuais, o segundo passo seria o acesso a bens coletivos. Isso não aconteceu. As demandas cresceram, e o país não acompanhou – diz Frischtak, autor de um estudo que propõe o investimento em infraestrutura e serviços públicos como estratégia de crescimento econômico. – A Copa, vendida como um instrumento de modernização da infraestrutura do país, é um exemplo de expectativa gerada, cuja frustração pode ser explosiva.

MOBILIDADE: FALTA PLANEJAMENTO

Um ônibus da Estrada do Campinho até o centro de Campo Grande. De lá, outro até Bangu. Mas ainda não acabou. Tem um terceiro até Cidade de Deus. A baldeação diária pela Zona Oeste do Rio preocupa Sebastião Lira, de 61 anos. Ele mora em Cidade de Deus, onde trabalha como lanterneiro e sustenta mulher, seis filhos, neta e uma nora grávida, todos dividindo um barraco de madeira e telhas. A família foi cadastrada para ser removida:

— Estão querendo mandar a gente para um conjunto do Minha Casa Minha Vida que fica lá depois de Campo Grande. Trabalho de segunda a segunda. Imagina o gasto pegando três ônibus para trabalhar, ida e volta. E meus filhos estudam todos aqui; vão ter que pegar essa condução também, ou mudar de escola. Terminaram um conjunto do Minha Casa aqui na Av. Cidade de Deus. Por que não mandam os removidos daqui para esse, mais perto?

Paulo Resende, especialista em transportes da Fundação Dom Cabral, identifica uma incompreensão do conceito de mobilidade no país. Deveria ser a combinação entre planejamento urbano e transporte. A urbanização acelerada das décadas de 60 e 70 seguiu mesmo a especulação imobiliária, sem rede consistente de transporte de alta capacidade. Os metrôs das duas maiores cidades do Brasil, Rio e São Paulo, somam juntos um quarto da extensão do de Nova York ou metade da malha da Cidade do México, que também começou tarde a investir em trilhos:

— Entre planejar um sistema de transporte consistente e a engenharia, o Brasil ficou com a 2ª opção. Investimos em rodovias e viadutos, hoje artérias entupidas. O remédio não é fácil e precisa pensar na ocupação das cidades.

Segundo ele, o Brasil é o país que leva mais tempo para construir metrô entre as 20 maiores economias do mundo. O de BH levou 34 anos para chegar a 28 quilômetros, menos de um por ano. A média em Berlim é de quatro quilômetros por ano. Não há como fugir dos trilhos, diz. Corredores expressos de ônibus, opção mais barata que se espalha pelo país, são paliativos:

— BRT melhora a experiência de quem já anda de ônibus. Não tira carro da rua.

Planejamento dos transportes levando em conta o trabalho das pessoas é o que daria jeito no caso de Tião, como é chamado em Cidade de Deus. Morador de um barraco cujo esgoto é uma ligação até um buraco no chão feito pelos moradores — mas que conta com duas TVs de plasma (uma com serviço por assinatura “regularizado”, avisa), aparelho de ar condicionado e máquina de lavar —, ele viu a vida melhorar. Mas, para ter mais qualidade, diz que os governantes precisam pensar que “as pessoas querem morar perto de onde existe trabalho”.

EDUCAÇÃO: ENSINO MÉDIO NÃO ATRAI

Há duas décadas, o Brasil mantém o ritmo de expansão da rede pública de ensino e já tem quase todas as crianças de 6 a 14 anos na escola. Eram 94% em 2012, o dado mais recente, fruto de um salto de dez pontos percentuais em uma década. Se as estatísticas nos aproximam da universalização do ensino fundamental, ainda que com um grande atraso, há muito a fazer para tornar a escola eficaz e atraente. Apenas 67% dos jovens concluem o ensino fundamental aos 16 anos.

A evasão e a repetência são problemas mais sérios no ensino médio, cuja evolução da qualidade medida pelo Índice Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) também tem sido mais lenta. Saltou de 3,4 para 3,7 entre 2005 e 2011, ainda longe da meta de 5,2 em 2021. A média do Ideb no primeiro ciclo do ensino fundamental subiu de 3,8 para 5,0 no mesmo período e tem como meta 6,0.

Quase 20% dos jovens de 15 a 17 anos do país, cerca de 1,5 milhão, não estão na sala de aula. Quase 12% dos que se matriculam no ensino médio o abandonam ainda no primeiro ano. Foi o que fez Daniele Chagas, de 21 anos, em abril. Ela abandonou o Centro de Educação Integrado do Angelim, na Zona Sul de Teresina, no Piauí, quando concluiu que “estava perdendo tempo”. Tinha no máximo duas horas de aulas por dia por causa da falta de professores ou de deficiências estruturais da escola, como falta de água.

— Em quatro meses, não tive nenhuma aula de geografia, inglês, espanhol. Além disso, o colégio era cheio de mato, usado por bandidos para se esconderem da polícia — diz Daniele, que gostaria de voltar se a estrutura fosse melhor. — É difícil arrumar emprego sem ensino médio.

Dos alunos que insistem no primeiro ano, 17% são reprovados. Nos anos finais, 31% têm mais de dois anos de atraso em relação à idade adequada à série.

— Os estados, responsáveis pelo ensino médio, insistem num currículo engessado. O grande desafio é fazer a escola mais atraente, contemplando diferentes trajetórias, como os cursos técnicos. Hoje, o máximo que se tem é uma sobreposição do ensino curricular e do técnico — analisa Alejandra Velasco, gerente da Área Técnica do Movimento Todos Pela Educação.

Mesmo com o esforço do governo para ampliar o ensino técnico por meio do Pronatec, a modalidade não chegava a 20% das matrículas do ensino médio em 2012. A desigualdade é outro desafio. Enquanto 75% dos jovens de 15 a 17 anos das classes mais altas estão matriculados no ensino médio, só 44% dos mais pobres chegam lá.

SAÚDE: UNIDADES SEM INTEGRAÇÃO

Era novembro de 2011 quando a auxiliar administrativa Maria Neide de Aquino, moradora da Ilha, no Rio, achou uma “bolinha” no seio direito. Só em abril de 2012 conseguiu ser atendida por uma enfermeira numa Clínica da Família — para ouvir que não tinha nada. Sentindo dores, a maranhense, que faz 51 anos amanhã, voltou lá em junho, e um médico pediu mamografia. Após um mês aguardando no Sistema Único de Saúde, decidiu pagar R$ 80 na rede privada. Ao voltar à unidade com o resultado, o médico tinha sido transferido. Não havia outro para ver o exame. Ela pagou mais R$ 300 por uma consulta particular e outros R$ 400 por duas biópsias. Já era dezembro quando teve o diagnóstico de câncer e foi buscar tratamento no Hospital Geral de Bonsucesso. A recepcionista lhe disse para ir ao posto de saúde mais perto de casa.

— Já pensou? — diz Neide, que voltou à Clínica da Família; enfim, o caso entrou no sistema de regulação do SUS, o SisReg.

Entre abril e maio de 2013, ela finalmente iniciou o tratamento no Hospital Federal Cardoso Fontes. Mas, um ano e meio depois daquele autoexame, a “bolinha” já tinha 11cm. Já havia um segundo nódulo, e a pele “queimava que nem 40°”. O câncer de Neide era agressivo, e ela teve de fazer mastectomia do lado direito. Ficou dez dias internada só esperando um médico para autorizar a cirurgia:

— Chorei e disse: “Ainda tenho jeito. Quando não tiver mais jeito, vou dar trabalho para vocês aqui”.

Agora, Neide tem de seguir o tratamento com radioterapia. Espera vaga há mais de 40 dias, sem previsão de quando a terá:

— Esse sistema (o SisReg) é bom, ele já distribui você. Mas tem que ter a vaga, né? — diz ela, que na Copa passou a torcer com a bandeira do Brasil num cordão.

A saga da maranhense — parte de um relatório da Associação Brasileira de Apoio aos Pacientes de Câncer sobre demora no atendimento oncológico — mostra as dificuldades de um sistema universal que já tem rede ampla, mas não dá conta da demanda. Além da falta de médicos, que o governo tenta combater com estrangeiros, a qualidade do atendimento depende de reorganização da gestão para integrar unidades federais, estaduais e municipais, diz Gastão Wagner, professor de Medicina Preventiva da Unicamp:

— O Brasil investe 3,7% do PIB no SUS. Outros países com sistemas universais, como Inglaterra, gastam 8%. Mas também é necessário se decidir como gastar.

Paulo Buss, ex-presidente da Fiocruz, afirma que as experiências ruins acabam escondendo os êxitos do SUS, como vacinação, medicamentos gratuitos e unidades de alta complexidade:

— Em 25 anos, é inegável o impacto do SUS na redução da mortalidade no Brasil.

Fonte: O Globo
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