Boato que levou a linchamento em SP circulou por vários estados

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SÃO PAULO e RIO – O boato de que uma mulher estaria sequestrando crianças para realizar rituais de magia negra — rumor que levou ao espancamento e à morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, em Guarujá (SP) — já havia circulado pelos estados de Santa Catarina, Paraná e Pernambuco. Perfis privados e páginas similares ao “Guarujá Alerta”, que postou no Facebook notícia referente à ação da suposta criminosa no litoral paulista, também alertaram seus seguidores para a existência de uma criminosa em suas regiões. Em comum, um fato: todas essas páginas usaram, sem checar, um retrato falado divulgado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro em agosto de 2012 durante a investigação de uma tentativa real de sequestro.

Ao analisar o caso, especialistas lembram que parte da sociedade brasileira acredita que fazer justiça com as próprias mãos é algo plausível e que isso se reflete até em dados oficiais. Pesquisa feita pela Secretaria dos Direitos Humanos em 2009 revelou que 40% dos brasileiros concordam que “bandido bom é bandido morto”.

No início de abril, o alerta sobre a suposta sequestradora e seu retrato falado vieram à tona em Florianópolis (SC). Moradores da ilha compartilharam mais de 15 mil vezes postagem no Facebook, pedindo que mães não deixassem crianças sozinhas. Nos comentários, se repetiam frases como “quem pegar primeiro deve encher ela de pau”. Na mesma época, a imagem ilustrou publicação virtual sobre suposta tentativa de sequestro no Parque Dona Lindu, em Recife (PE), e apareceu no blog “Pontal Notícias”, sobre a cidade de Pontal (PR), com um alerta semelhante.

Ouvimos o administrador do “Pontal Notícias”, um jovem de 17 anos que há quatro mantém a página como “alternativa de informação para cidade”. Em suas palavras, ele informa “a população do que acontece em nossa volta, sem enrolação, de modo claro e objetivo”. Seu pai, no entanto, diz desconhecer as publicações e prometeu acompanhá-las de perto agora.

O retrato falado que permeou todas essas publicações e que levou à morte de Fabiane surgiu na investigação de uma tentativa de sequestro ocorrida em Ramos, na Zona Norte do Rio, em agosto de 2012. A jovem Daniela Mendes voltava de um posto de saúde com a filha recém-nascida e foi abordada por uma mulher que cortou sua garganta e lhe tomou a criança. Um serralheiro que passava no local viu a ação e retirou o bebê da agressora. Na época da ocorrência, que foi registrada na 21ª DP (Bonsucesso) e segue sem solução, Daniela informou que “a autora era negra, forte, tinha cerca de 1,60m e aproximadamente 25 anos”. O retrato falado que ela ajudou a produzir reapareceu agora na internet. Morta na segunda-feira, Fabiane tinha 33 anos, era branca e magra.

Na terça-feira, a polícia prendeu o eletricista Valmir Dias Barbosa, de 47 anos, que aparece batendo em Fabiane com uma tora, em vídeos de cinegrafistas amadores. Segundo a polícia, ele confessou participação no linchamento e disse que agiu assim por ter acreditado em informações passadas pelos vizinhos. À imprensa, Barbosa disse estar arrependido, mas moradores da região relataram que ele andou pelo bairro se gabando do feito, no dia seguinte ao linchamento.

Linchamentos acabam impunes no Brasil

Num breve levantamento, constatamos que ações desse tipo parecem, no entanto, ecoar na impunidade ou na lentidão das investigações. Em fevereiro, um vídeo circulou pela internet mostrando um homem de pés e mãos atados sendo jogado num formigueiro por suspeita de assalto em Feira de Santana (BA). Ele pedia ajuda, mas seus agressores repetiam frases como: “Agora tu lembra de Deus, é?”. Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Civil baiana, o Departamento de Polícia do Interior solicitou que todas as coordenadorias regionais tentassem localizar vítima e criminosos, mas a força-tarefa não deu em nada. Não foi encontrado nenhuma registro em delegacias do estado e não foi aberta investigação.

No Rio e no Espírito Santo, não têm sido diferente. Segue aberto na 9ª DP (Catete) o inquérito sobre linchamento do menino de 15 anos que foi preso no dia 31 de janeiro a um poste no Flamengo, na Zona Sul. Nu, ele foi agredido por justiceiros que o acusavam de ter praticado roubos. No estado vizinho, o Ministério Público devolveu à Polícia Civil inquérito sobre o linchamento do caminhoneiro José Querino de Paula, de 51 anos, acusado de ter atropelado uma menina em Vila Velha. O motorista foi apedrejado há exatamente um ano, mas o MP pediu agora “novas diligências”.

— Não me lembro de nenhum caso (de linchamento) que tenha acabado em condenação — diz o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

— Algumas pessoas ignoram as leis, querem impor a lei do mais forte — diz a socióloga Ariadne Lima Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.

Para ela, parte considerável da sociedade brasileira acredita que fazer justiça com as próprias mãos é algo plausível e tende a agir dessa forma em local público, para que seja visto.

— A ideia é dar um recado, denegrir, humilhar e expor a vítima. As pessoas não agem irracionalmente. Acreditam que estão praticando justiça, não um crime.

A socióloga diz ainda que, apesar de ser testemunhado por muita gente, o linchamento é difícil de ser punido, principalmente quando ocorre em comunidades onde as pessoas se conhecem.

— É um desafio para a polícia. São múltiplas as participações. Um deu soco, outro, chute. É difícil individualizar a culpa.

Juristas destacam que o linchamento não é um crime tipificado pelo Código Penal, mas que os envolvidos respondem por homicídio qualificado, com pena que vai de 12 a 30 anos.

— Vale lembrar que também são criminosos aqueles que gritam, incitando o ataque, e aqueles que simplesmente repassam uma pedra ou uma arma. Esses são os partícipes — alerta Breno Melaragno, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ.

Fonte: O Globo

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