Advogado não pode passar a ser instrumento de acusação

O devido processo legal, com plenitude do direito de defesa, pressupõe a preservação do sigilo na relação entre o advogado e o cidadão que necessita da defesa de seus direitos. Ao longo de sua história, a Ordem dos Advogados do Brasil tem adotado medidas para impedir o ferimento a tal postulado, seja impedindo escutas e interceptações na conversa entre o advogado e seu constituinte, seja vedando busca e apreensão em escritórios de advocacia. O atual desafio é não possibilitar seja o advogado transformado em delator de seu cliente, como pretende a lei antilavagem de capitais.

No início de 2007, o Plenário do Conselho Federal da OAB aprovou parecer (1) no qual considera que as escutas ambientais e interceptações telefônicas em escritório de advocacia violam a liberdade profissional, por configurar ato inconstitucional e ilegal, afrontando a inviolabilidade da atividade advocatícia — artigo 133 da Constituição Federal e a garantia de confidencialidade nas conversas entre os advogados e os seus clientes. Tal vaticínio decorre, por igual, das garantias à ampla defesa e ao silêncio do réu — artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal. O Estado não possui o poder de obter a autoincriminação, colhendo conversas com o defensor, sem as segurar o direito a permanecer calado (2).

Em agosto de 2008, outra importante vitória foi obtida pela luta da advocacia brasileira, visando à proteção do sigilo profissional, com a sanção da Lei 11.767, que veda a busca e apreensão em escritórios de advocacia, exceto quando o advogado for autor de um crime, sendo indiciado ou denunciado por algum tipo penal (3). Mesmo no caso de busca e apreensão, torna-se “vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado”.

Os dados dos clientes apenas podem ser acessados pelo Estado, quando este for partícipe ou coautor da prática do mesmo crime em relação ao qual o advogado foi indiciado ou denunciado.O Provimento 127 do Conselho Federal determina seja formulada representação, inclusive criminal, contra a autoridade que desrespeitar a lei da inviolabilidade (4). A efetividade de tal norma depende do atento cuidado da entidade da advocacia em relação ao cumprimento da lei.

O novo desafio consiste em impedir a incidência da Lei 12.683, de 2012, que versa sobre os crimes de lavagem de dinheiro, ao exercício da advocacia, no ponto em que determina a comunicação ao Coaf (Conselho de Atividades Financeiras) as operações feitas por pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza. O Plenário do Conselho Federal, em sua última sessão, ocorrida em 22 de outubro último, adotou posição, firme e salutar, no sentido de asseverar que os profissionais da advocacia e as sociedades de advogados não estão sujeitos aos mecanismos de controle da lavagem de capitais de que trata a Lei 12.683/12, aprovando o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (5).

Trata-se de relevante luta para que o advogado não seja transformado em instrumento de acusação, subvertendo o sistema de defesa, violando frontalmente o necessário devido processo legal e desprezando a indispensabilidade do advogado prevista no artigo 133 da Carta Constitucional. Por outro ângulo, o advogado se submete ao regime jurídico estatuído pela Lei 8.906, de 1994, não se lhe incidindo leis gerais, como a Lei 12.683/12, ante a conhecida regra de hermenêutica da especificidade. É dizer, a norma geral, versando sobre todas as profissões, não possuem aplicação no âmbito da advocacia, quando conflitam com princípios e regras regulamentadoras da profissão de advogado.

O parecer da Procuradoria-Geral da República, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.841, admite a “discussão específica em relação à advocacia, em razão de sua conformação constitucional”. Para o Ministério Público, a lei antilavagem “não alcança a advocacia vinculada à administração da Justiça, porque, do contrário, se estaria atingindo o núcleo essencial dos princípios do contraditório e da ampla defesa”. Ainda segundo o parquet, o sigilo profissional também deve ser “assegurado ao advogado no âmbito do processo administrativo, das atividades de consultoria preventivas de litígio e da arbitragem”(6). O parecer, embora signifique um reconhecimento à essencialidade da advocacia ao devido processo legal, constituindo um avanço, é insuficiente, por não afastar da incidência da norma todas as atividades do advogado.

O desrespeito ao sigilo profissional do advogado viola o Pacto San José da Costa Rica, de Direitos Humanos, especialmente no capítulo destinado às garantias judiciais. Tal pacto foi positivado e incorporado no direito brasileiro pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, possuindo natureza de norma constitucional, sendo garantia individual contra indevida e abusiva ingerência do Estado na esfera de autonomia do cidadão.

A dignidade da pessoa humana é o limite para a ação investigativa do Estado. A defesa dos interesses do cidadão, expressada pela atividade de advogado, não pode ser utilizada como instrumento de acusação. Não é lícito ao Estado invadir a sacralidade da relação entre o cliente e seu advogado. O constitucional exercício da advocacia não há de ser criminalizado. Também não pode ser utilizado como forma de condenar, como meio de prova para punir, subvertendo por completo os cânones constitucionais asseguradores do direito de defesa e do devido processo legal.

Fonte: Consultor Jurídico

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