Acusados de participação na tortura de um acusado de roubo nas dependências do 1º DP de Santos, na madrugada de 12 de abril de 2008, uma delegada e um investigador foram condenados por tortura, respectivamente, a 2 anos e 6 meses de detenção e a 10 anos e 6 meses de reclusão, além da perda do cargo. Cabe recurso.
O juiz José Romano Lucarini, da 1ª Vara Criminal de Santos, fixou para Cristiano Pires o regime fechado para o início do cumprimento da pena, enquanto para Gabriela de Carvalho foi estabelecido o regime aberto. Para ambos foi vedada a suspensão condicional ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito.
Lucarini facultou aos réus a possibilidade de apelar em liberdade. Entre os advogados de Gabriela de Carvalho está Ronaldo Augusto Bretas Marzagão, ex-secretário da Segurança Pública paulista, enquanto Eugenio Malavasi exerce a defesa de Cristiano Pires. Os defensores pleitearam a absolvição dos clientes, que negam a tortura.
Porém, em sentença com 110 páginas, o magistrado considerou procedente a denúncia oferecida pelo promotor Rogério Pereira da Luz Ferreira, segundo a qual o investigador introduziu um pedaço de madeira no ânus da vítima para obrigá-la a fornecer o seu verdadeiro nome, enquanto um escrivão a imobilizava.
Esses dois policiais foram reconhecidos em juízo pela vítima, que especificou as suas respectivas condutas e esclareceu que ninguém mais participou da sessão de tortura. O ato de reconhecimento foi produzido na frente dos advogados do investigador e do escrivão, em obediência ao princípio do contraditório, conforme observou o juiz.
Ainda de acordo com o representante do Ministério Público, a delegada não participou diretamente da violência, mas contribuiu para a sua prática porque, na qualidade de superiora hierárquica dos demais policiais civis, nada fez para evitá-la, quando tinha o dever de coibir o constrangimento físico e moral imposto ao preso.
O escrivão teve a sua punibilidade julgada extinta porque morreu durante o processo. Ele e o investigador foram presos preventivamente, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu Habeas Corpus para que respondessem soltos à ação penal. Atualmente, o investigador e a delegada estão lotados em outros distritos policiais.
Lesão cirurgia Relatório médico anexado ao processo informa que a vítima sofreu lesão no reto, sendo submetida a cirurgia chamada laparotomia e precisando colocar uma bolsa de colostomia, que usou por mais de um ano. Devido à gravidade dos ferimentos e aos procedimentos pelos quais passou, o preso correu efetivo risco de morrer.
Durante a barbárie, cometida em uma cela nos fundos da repartição, o acusado de roubo gritou muito, sendo ouvido por policiais militares que se encontravam no plantão do distrito, situado na frente, e pela delegada, que estava em sua sala, também na parte frontal, conforme eles declararam em juízo.
“Uma pessoa foi empalada dentro da delegacia, durante o plantão dela (da delegada); gritou muito durante a noite toda. Mas ela (delegada) nada fez para apurar o caso ou, muito menos, contra nenhum dos policiais envolvidos. Indagada sobre o que teria acontecido com o preso, limitou-se a dizer que não é carcereira e que nada presenciou”, enfatizou o juiz na sentença.
No dia 27 de janeiro deste ano, o homem torturado foi preso em flagrante na área do 47º DP de São Paulo (Capão Redondo) por sequestro, cárcere privado e estupro de uma menina de 11 anos. A defesa da delegada e do investigador juntou ao processo boletim de ocorrência e mídias de reportagens referentes a esse caso.
Lucarini, no entanto, ignorou tal episódio. “Ninguém está dizendo que ele tem uma personalidade Crística ou Búdica. Tampouco que seja cândido e puro. Não. O que se está dizendo, insisto, é que ele é um ser humano, também titular de direitos, como qualquer criminoso. (…) Assim, irrelevante comprovar que ele é um vil criminoso.”
Fonte: Conjur